Antes Da Curva
A velocidade alta e constante fazia o carro trepidar sobre a via deficiente, o motorista segurava o volante com firmeza e olhava para a cruz que trazia uma pequena imagem de Jesus Cristo dependurada no quebra-sol. Com fugazes olhares via pelo retrovisor que os seus seguidores não desistiam, o passageiro com parte do tronco do lado de fora da janela ameaça atirar, a ultima cidade estava á quase 200 km e á próxima pelo que dizia uma placa a exatos 142. Tinha ciência de que aquela reta não continuaria por muito tempo, a frente viria uma curva fechada e outra que se abria para subir a serra do Murundu, em outras ocasiões encontrara viaturas da policia ambiental ali naquele trecho, se a sorte estive ao seu lado talvez o fato se repetisse. Porém a preocupação seria ao reduzir a velocidade, se eles conseguissem se emparelhar fatalmente o atingiria com os tiros. De repente em um lado da pista quase todo coberto pelo mato surge uma placa amarela em formato indicando curva acentuada a esquerda, logo após outra alertava que a velocidade deveria ser reduzida. Leon era filho e neto de motoristas, crescera ouvindo o pai contar as histórias do avô, um dos pioneiros em transporte de valores no Brasil, passava noites e dias com verdadeiros tesouros dentro do carro sem nunca ter lhe acontecido nada que desestimulasse da profissão, argumentava que vivera em época de gente honesta, poucos bandidos nas ruas e muita cumplicidade dos companheiros na estrada. Coragem que herdara o pai de Leon, porém sem contar com a mesma sorte da outra época, em 1985 quando transportava uma caixa de joias do Estado de Minas Gerais ao Paraná fora surpreendido em um trecho ermo da “Regis Bittencourt” segundo a policia foi “fita dada” já que um dos bandidos dizia até como estava à embalagem que deveria ser de sigilo absoluto. Nos primeiros momentos de fidelidade ao trabalho, ele negou, disse que realmente havia saído uma encomenda de valor, mas não seria ele quem transportava. Os bandidos então lhe deram um tiro na perna, pela força da dor entregou o lugar onde estava e foi obrigado a se arrastar até o fundo falso em baixo dos bancos de traz e entregar as joias, mesmo assim não fora poupado, levando mais três tiros, um de raspão na cabeça e dois no abdômen. Por sorte usava um colete a prova de balas, justamente a pedido do pai, na época um aposentado que vivia tranquilamente curtindo a vida com pescarias e churrascos, sob os toques folclóricos da velha sanfona. Mas aquela proteção não impediu que uma depressão movida pelo pavor do crime o levasse morbidamente para a cama. Naquele estado desenvolvera pneumonia e lentamente fora definhando até que no inicio de 1992 viera o óbito. Leon dirigia um filme trágico da história do seu pai, nos créditos finais ouvia o piano funesto de filme americano e as pessoas cabisbaixas deixando o sepultamento no mais frio dos silêncios. Enquanto isso a placa dizendo que a frente havia curva sinuosa voltava no seu inconsciente. Mas também não tinha a quem culpar além da própria persistência, o avô a muito implorava que largasse a profissão, ofereceu sociedade em Escola de Formação de Condutores, já que possuíam habilidades para o negocio, além de ter na família exemplos profícuos. A esposa que tomava ansiolíticos e as duas filhas que choravam sempre chorando quando o pai ganhava a estrada. Leon olhou mais uma vez para o retrovisor e viu que o carro dos bandidos estava colando a sua traseira, o argumento seria continuar em zigue-zague impedindo a passagem e dificultando a mira do revolver. Mas em certo momento o puxão dado no volante para o lado esquerdo foi com força excessiva deixando que o Mille Fire de cor vermelha passasse feito um raio para a interceptação, Leon sob a angustia de dominar o caminhão que balança o pequeno baú como barco em maré alta, percebeu que o motorista era a mesma pessoa de quem suspeitava há tempos. O primo Alonso estava com a mesma arma que limpava no quintal da casa do tio no almoço do sábado, os óculos escuros dados por ele no amigo oculto do natal passado brilhava sob a luz do sol que vazava o para-brisa. Nada mais restaria senão parar e levantar as mãos para o céu, entregar o que eles queriam e quem sabe ter a vida poupada, mas isto seria mera conjectura, já que o primo não se entregaria assim. A cinquenta metros aproximadamente o vermelho criminoso do carro cruzou o caminho e os dois abriram violentamente as portas, Leon segurou na maçaneta para abrir a sua, mas antes fez o sinal da cruz implorando piedosamente para a imagem franzina se movendo grudada ao quebra-sol. Mas antes que a dupla andasse o vigésimo passo gesticulando abundantemente, o Ford corcel Bege placa 4987 de um tal Zeca Jequi caçador contumaz, chocou-se brutalmente contra o carro dos bandidos, os dois que estavam à frente não foram atingidos, mas a policia ambiental com duas viaturas chegou imediatamente, sem tempo de baixarem as armas. Leon soltou a maçaneta que precipitava girar e deslizou-se lentamente por trás do volante, agarrou a imagem da cruz com seu cristo pequeno e apertou sobre o peito, com a cabeça no encosto do banco, deixou lágrimas inundarem seus olhos que acompanhavam imóveis um policial que após conversar com os dois homens vinha de arma em punho na sua direção.