A PROFECIA (O sonho de uma professora)

A profecia (A todos os meus professores e alunos)

Ser professora sempre foi um sonho. Brincava de ser professora com minhas bonequinhas de papel, meus alunos sentados, calados e inteligentes. Não recordo de ter voado nas asas de outra profissão! Sempre era professora! Quando criança, o respeito, amor e admiração que tinha pelos meus professores eram imensos. Nunca fui a melhor aluna da turma, nem queria ser. Contentava-se em ser mediana e feliz, com direito a muitos risos, conversas, relaxamento e estudo proporciona. Muito do endeusamento que tinha por alguns professores era fruto não do conhecimento acadêmico que eles transmitiam-me, mas do sorriso, de uma palavra amiga, de um elogio, ou até mesmo de uma bronca. Era isso, Os professores eram sagrados, para mim era uma prova de que Deus existia.

Um dia, eu ainda criança, minha avó me levou a uma vidente e ouvimos: “Essa Menina vai trabalhar atrás de um birô, não irá esfregar roupas de ganho como as outras!”. Se, naquela época, eu conhecesse Morte e Vida Severina, sentiria-me em pleno Mangue. Nunca esqueci esta “profecia”. Eu sabia que este birô era de uma sala de aula, era o que eu queria! Mas para uma criança sem posses, e com o bolso cheio de sonhos e bonecos de papel, corroía-me o medo de não conseguir e seguir o fluxo natural das mulheres da família, filha, neta, bisneta de mulheres analfabetas.

Da primeira escola, Casa Grande; agora: escola Municipal Sítio do Céu, não trago muitas lembranças, apenas o rosto redondo, sorriso largo, pele e olhos claros, cabelos curtos e escuros, corpo grande (os adultos são sempre tão grandes quando temos três anos). Tia Cristina! Ah... por onde andará tia Cristina? Espero que tenha sobrevivido feliz e saudável às pedras do caminho. Além da professora, a única lembrança que trago dessa escola é das sacolinhas das festas e de uma apresentação de pastoril, eu flutuando numa roupa de papel crepom azul... “É do meu gosto é da minha opinião, de amar ao azul com prazer no coração...”

Entrei na escola José Maria com cinco anos, eu e meu irmão na alfabetização. Nessa escola quebrei com a cegueira das mulheres de minha família e aprendi a ler... não lembro do momento exato, mas nunca esqueço da emoção de minha avó a colocar-me para ler todos os outdoor abandonados pelos ônibus. Quando meu padrinho chegava à minha casa, corria para mostrá-lo o caderno de tarefas “precisa melhorar essa letra” e dava-me moedas. Não lembro muito do rosto nem do nome da minha professora da alfabetização, nem da primeira série. Cléria foi o anjo que me ensinou na segunda série; Vitória (tão linda, imponente) na terceira série; Eliane, na quarta, vixe que mulher braba, mal humorada, mesmo assim gostava dela (tem anjos que caem de cabeça no momento de pousar).

A partir da quinta série recebi de presente vários anjos de uma vez, em especial: Edileuza, de Matemática, com seus óculos fundo de garrafa e jeito de mulher frágil, morava perto da escola e eu passava em frente à sua casa querendo ver aquela professora que tanto admirava; Zeide e Mariléia, professoras de Português: a primeira, séria; e a segunda, uma graça, doidinha pilotando o seu fusca bege. Elizabete e Maria Auxiliadora, professora de História e Geografia... tão especiais, com a primeira aprendi a odiar o cigarro e com a segunda, a gostar de Geografia. Foram tanto professores: Joás, com ele sentir o gosto amargo da reprovação em Matemática; Avani, Ciências e Regilião, com ela sentir o gosto amargo de uma suspensão por fazer gracinha com a professora. Ai... ai... mas cá pra nós, obrigar o aluno a ir à missa e ter que trazer o roteiro do dia para provar que foi à igreja era demais para meus doze anos.

Sair do José Maria depois de dez anos não foi fácil. Sinto um necessidade imensa de um dia voltar e trabalhar nessa escola, retribuir um pouco de tudo o que recebi.

Até então meu sonho de ser professora não passava de sonho!

Quando uma amiga sugeriu-me que ao invés de fazermos o Ensino Médio no Aníbal Fernandes, seguindo a maioria, fôssemos para o Clóvis Beviláqua, fazer o Magistério. Eu nem sabia o que era Magistério! Quando ela disse-me que era o curso para ser professora e era público, não pensei duas vezes! A aluna que às vezes filava, às vezes gazeava, à vezes fazia gracinha no José Maria desapareceu! Agora era a hora de realizar meu sonho, levar a sério, ser professora!

No Clóvis Beviláqua amadureci. De cara, encontrei Sílvia, professora de Português, e aprendi a gostar de gramática. Com Eneida, a gostar de Literatura e ler os grandes Clássicos. Virei ratinha de Biblioteca. Era maravilhoso discutir Filosofia e Sociologia com Mirian e Kátia. Com Vanja, conheci a importância da Educação Especial e a beleza de falar manso. No entanto, horas impagáveis, das quais nunca esqueço, eu tinha com minha professora de Didática da Matemática, Vitória Ribas, com ela, sentia-me gente grande aos meus dezessete anos, sentia-me respeitada por alguém que admirava imensamente... horas de conversa que bordaram muito do que eu sou hoje. No final do curso, a prática comum de escrever mensagens na camisa da escola, uma mensagem não se perdeu junto com a camisa perdeu junto com a camisa, ficou tatuada em minha alma: “Existe entre nós uma empatia que me faz ser sua admiradora!”, acredito que Vitória nunca soube do valor de suas palavras para aquela adolescente, mas levantou tanto minha autoestima, me fortaleceu ainda mais. No Clóvis, dez anos depois, tive a oportunidade ensinar e senti falta de minha época de aluna.

Finalmente, formatura do Magistério! E sonho realizado: Eu-Professora! Três anos dando aula de reforço em casa, até que chegou a oportunidade do trabalho: numa turma de educação infantil, colocar em prática tudo o que aprendi no Magistério. Sentar atrás do meu birô!!! Foi mágico, mas descobri um equívoco: vida de professor, sobretudo, de Educação Infantil, nunca é sentada atrás do birô, nunca é sentada!

Isso não me bastava, eu não queria apenas ser professora, desejava ter professores para a vida toda. Resolvi entrar numa faculdade: Letras ou Matemática? Dúvida cruel! Pelos ecos da literatura, resolvi estudar minha Língua. Comecei o curso de letras na Universo e levei mais a sério que o ensino Médio. Dava aula o dia inteiro, estudava à noite, acordava às 4 horas para ler o material e planejar-me. Três anos de segunda a sábado! Nessa fase mais madura, não idealizava os professores, mas tinha um respeito e admiração imensa. Tive a sorte de conhecer professores maravilhosos, competentes, que fortaleceram minha formação universitária: Antony, com seu jeito enciclopédico e irônico, junto a Jacilene, Geisa e Bruno aumentaram minha paixão pela Literatura. Suzana e Rose Mary contaminaram-me com o vírus da Linguística, deixando-me apaixonada por esta área do estudo. Simone e Alexandre com todo cuidado e sensibilidade ajudando-me a espantar meus monstros com a língua inglesa.

Na minha ânsia por continuar tendo professores, corri para fazer a especialização na FAFIRE, onde conheci uma professora maravilhosa, Nelly Carvalho, que me ensinaria tantas coisas e me incentivou ao mestrado.

Entrei no Mestrado da UFPE para Linguística. Entre tantos nomes consagrados, tive o prazer de conhecer professoras que só conhecia pelos textos da graduação: Piedade, Virgínia, Judith, Ângela, Xavier. E continuei sendo aluna de Nelly, com quem tenho o prazer de continuar aprendendo mesmo depois do curso.

Já antes da Especialização e do Mestrado, no último período da graduação, passei no concurso no Estado e comecei a sentir outra realidade, a de professor de escola pública. Amei, sentia como se estivesse dando aula a mim mesma em outras épocas. Em alguns olhares perdidos, conseguia enxergar de longe parte daquele endeusamento que eu tinha quando criança. Todos os dias alimento em mim a sede de ser uma professora que mais do repassar e construir conhecimentos linguísticos, tenta alimentar a alma dos alunos de sonhos, destrancar portas ou janelas para que eles acreditem que podem, que podem muito mais do que eu. E toda vez que sinto ter contribuído para o crescimento de algum aluno, me alimento e repito para mim: Valeu a pena a profecia!