Os cuidados dos começos

Hoje, mexendo nos meus papéis guardados da faculdade, vida de quem tirou muita xerox, por não ter dinheiro para comprar os livros, encontrei uma carta do meu primeiro namorado, uma folha de ofício escrita à mão, me senti invadida por uma sensação boa, mesmo antes de abrir a velha missiva. Reli todas aquelas palavras de inicio de namoro, aquele cuidado que se tem nos começos, engraçado como isso vale para tudo na vida, primeiro dia de aula, o zelo esmerado com que você trata seu caderno e seu livro novo, o dó que você tem de rabiscá-lo. Primeira vez que você vai dormir fora de casa, você faltou levar a casa para não ter que incomodar ninguém, mas principalmente pra cuidar de si enquanto estava em território desconhecido. Primeiro celular e o zelo para que ele não caísse no chão. Primeira vez que você vai à praia e fica ali pelo raso, cuidando para que aquelas ondas, embora lindas, não draguem você. Essa carta não me despertou saudosismo, tampouco vontade de estar com o remetente novamente, mas ela me fez refletir algo muito importante, eu perdi o cuidado que tinha comigo, eu não sou mais cautelosa e tenho aberto meu coração sem reservas, fiquei pensando se isso era errado e se é por isso que tenho me sentido taciturna esses últimos dias. Ao reler aquele papel amarelado pelo tempo me dei conta que tenho entregado meu coração aos cuidados dos outros, atribuindo-lhes uma responsabilidade que é só minha e no fim ainda tenho me achado no direito de dizer: ei você não tá cuidando bem de mim. Talvez culpa dessa modernidade maluca que abre mão dos encontros, onde os amigos são virtuais, o cuidado terceirizado à uma mensagem, ou dessas frases de efeitos como: TU TE TORNAS ETERNAMENTE RESPONSÁVEL POR AQUILO QUE CATIVAS. Frases perigosas que nos colocam como vítimas de cuidados que podem não vir, já que o outro está também esperando ser cuidado...A carta com os sentimentos antigos de alguém me fez perceber que já não estou me tratando como aquele caderno ou livro novo, que eu não estou me dando aquilo que realmente mereço.

Suze Rodrigues
Enviado por Suze Rodrigues em 15/10/2015
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