Em nome da Fé.
A vida tem me proporcionado a felicidade de conhecer muitas pessoas queridas, que de alguma forma, tornaram-se especiais, à sua maneira e no seu tempo. Algumas chegaram como verdadeiros furacões, provocando aquela revolução no meu cotidiano, outras, eram assim meio brisa de mar, serenas e espalhando ternura no ar. Havia também aqueles amigos de pescaria, peixe que era bom...nada... mas em compensação, era cada prosa boa! E tinham aqueles que acompanhavam as fases da lua, umas vezes tímidos, calados, outras vezes, presença firme nas noites de lua cheia, nas rodas de violão. Indiferente de nacionalidade, credo, condição social, política ou econômica, todos tiveram e têm uma presença significativa na minha vida.
Essa volta toda era só para dizer que algumas têm um brilho e uma luz muito especial. Seu Dedé era assim... Luz Divina! Seu Dedé era o porteiro da Secretaria da Ação Social de Morada Nova, cidade do interior do Ceará, conhecida também como a Terra do Vaqueiro e do Divino Espírito Santo. Era o típico homem do sertão nordestino, mãos calejadas pelo cabo do machado, pele queimada pelo sol ardente e por, vezes impiedoso...e acima de tudo, uns olhos cheios de esperança, a ausência de dentes, não lhe impedia de sorrir aos nos dar aquele bom dia, que na maioria das vezes, recebemos por cordialidade dos colegas de trabalho. Ele não! Seu Dedé esbanjava alegria. Aprendera a tocar violão sozinho, e dizia que sabia afinar as cordas como ninguém, tocava de ouvido e não conhecia as notas musicais. Aos sessenta anos, decidiu que era chegada a hora de sossegar. Largou a cachaça, a boemia e disse que seria dalí p'ra frente...um homem de bem, seguidor da Palavra de Deus. Passou a frequentar a igreja e ganhou de presente, a Bíblia Sagrada. Comparecia religiosamente às reuniões e celebrações... mas havia algo que não lhe dava sossego... Ouvia a Palavra de Deus, cantava e celebrava com alegria, mas não conseguia ler a Bíblia. Desconhecia as letras. A vida de homem da roça, jamais lhe exigira tamanho saber... sabia do plantio do arroz, da época certa para colher, sabia do sol e da chuva, mas jamais fora apresentado às letras.
Como trabalhávamos com projetos municipais, pediu uma vaga na turma do Projeto de Educação de Jovens e Adultos. Trabalhava durante o dia, estudava à noite e ainda encontrava tempo para criar versos na viola. Lembro-me por, diversas vezes vê-lo debruçado sobre o caderno, repetindo as sílabas, como quem repetia estrofes de uma música. A visão não ajudava muito, mais uma vez intercedemos para lhe comprar os óculos, com grau adequado à sua necessidade e fome de saber. E não demorou muito, ele já estava formando as primeiras frases. Me encantava vê-lo recolhendo os jornais do dia anterior e se familiarizando com as notícias locais e até mesmo internacionais. As vezes, se perdia entre aquelas letras, e na sua ânsia de saber, criava seu próprio vocabulário, seu próprio código de comunicação, até descobrir uma palavra nova e correr para nos contar a boa nova. Ele tinha uma cadernetinha aonde anotava as "palavras difíceis de falar", e treinava horas a fio, até chegar à perfeição.
A essa altura ele já lia até bula de remédio e ainda se atrevia a decifrar letra de médico na receita. Quanto mais complicada a letra, mais prazer ele tinha em tentar. Tinha um pequeno dicionário da Língua Portuguesa para tirar as dúvidas na hora de ler o jornal. Mas ele queria mesmo era ler a Bíblia e todos os dias rogava a Deus que o amparasse para que ele pudesse realizar seu desejo ainda em vida. Um dia me confessou que sentiu muita vergonha ao saber que estava segurando o Livro Sagrado de cabeça para baixo, e ele nem sabia que muitas vezes seguramos o livro na posição correta e nossas ações é que estão invertidas. Ele também não sabia que seus versos na viola, seu sorriso alegre e sua maneira de olhar a vida, eram a mais bela forma de comunicação com os seus irmãos. Ele não entendia que embora não conhecendo as letras, seu dever de casa nas matérias de solidariedade e de humanidade estavam sempre em dia. Mas nada lhe tirava o prazer em conhecer e desvendar esse mundo novo.
Desde que mudei, não mais o vi, e foi com o coração em festa que soube que ele havia concluído o ensino médio, lê a sua Bíblia diariamente, está antenado com as notícias e agora descobriu um tal de mundo virtual, aonde desconhecidos se encontram e se amam sem jamais terem se visto.
Sep, 26/2005 11:23pm
P.S. Trabalhei na cidade por quatro anos, num projeto de municipalização das políticas públicas, mas a experiência foi mais além da profissional, virou experiência e lição de vida.
A vida tem me proporcionado a felicidade de conhecer muitas pessoas queridas, que de alguma forma, tornaram-se especiais, à sua maneira e no seu tempo. Algumas chegaram como verdadeiros furacões, provocando aquela revolução no meu cotidiano, outras, eram assim meio brisa de mar, serenas e espalhando ternura no ar. Havia também aqueles amigos de pescaria, peixe que era bom...nada... mas em compensação, era cada prosa boa! E tinham aqueles que acompanhavam as fases da lua, umas vezes tímidos, calados, outras vezes, presença firme nas noites de lua cheia, nas rodas de violão. Indiferente de nacionalidade, credo, condição social, política ou econômica, todos tiveram e têm uma presença significativa na minha vida.
Essa volta toda era só para dizer que algumas têm um brilho e uma luz muito especial. Seu Dedé era assim... Luz Divina! Seu Dedé era o porteiro da Secretaria da Ação Social de Morada Nova, cidade do interior do Ceará, conhecida também como a Terra do Vaqueiro e do Divino Espírito Santo. Era o típico homem do sertão nordestino, mãos calejadas pelo cabo do machado, pele queimada pelo sol ardente e por, vezes impiedoso...e acima de tudo, uns olhos cheios de esperança, a ausência de dentes, não lhe impedia de sorrir aos nos dar aquele bom dia, que na maioria das vezes, recebemos por cordialidade dos colegas de trabalho. Ele não! Seu Dedé esbanjava alegria. Aprendera a tocar violão sozinho, e dizia que sabia afinar as cordas como ninguém, tocava de ouvido e não conhecia as notas musicais. Aos sessenta anos, decidiu que era chegada a hora de sossegar. Largou a cachaça, a boemia e disse que seria dalí p'ra frente...um homem de bem, seguidor da Palavra de Deus. Passou a frequentar a igreja e ganhou de presente, a Bíblia Sagrada. Comparecia religiosamente às reuniões e celebrações... mas havia algo que não lhe dava sossego... Ouvia a Palavra de Deus, cantava e celebrava com alegria, mas não conseguia ler a Bíblia. Desconhecia as letras. A vida de homem da roça, jamais lhe exigira tamanho saber... sabia do plantio do arroz, da época certa para colher, sabia do sol e da chuva, mas jamais fora apresentado às letras.
Como trabalhávamos com projetos municipais, pediu uma vaga na turma do Projeto de Educação de Jovens e Adultos. Trabalhava durante o dia, estudava à noite e ainda encontrava tempo para criar versos na viola. Lembro-me por, diversas vezes vê-lo debruçado sobre o caderno, repetindo as sílabas, como quem repetia estrofes de uma música. A visão não ajudava muito, mais uma vez intercedemos para lhe comprar os óculos, com grau adequado à sua necessidade e fome de saber. E não demorou muito, ele já estava formando as primeiras frases. Me encantava vê-lo recolhendo os jornais do dia anterior e se familiarizando com as notícias locais e até mesmo internacionais. As vezes, se perdia entre aquelas letras, e na sua ânsia de saber, criava seu próprio vocabulário, seu próprio código de comunicação, até descobrir uma palavra nova e correr para nos contar a boa nova. Ele tinha uma cadernetinha aonde anotava as "palavras difíceis de falar", e treinava horas a fio, até chegar à perfeição.
A essa altura ele já lia até bula de remédio e ainda se atrevia a decifrar letra de médico na receita. Quanto mais complicada a letra, mais prazer ele tinha em tentar. Tinha um pequeno dicionário da Língua Portuguesa para tirar as dúvidas na hora de ler o jornal. Mas ele queria mesmo era ler a Bíblia e todos os dias rogava a Deus que o amparasse para que ele pudesse realizar seu desejo ainda em vida. Um dia me confessou que sentiu muita vergonha ao saber que estava segurando o Livro Sagrado de cabeça para baixo, e ele nem sabia que muitas vezes seguramos o livro na posição correta e nossas ações é que estão invertidas. Ele também não sabia que seus versos na viola, seu sorriso alegre e sua maneira de olhar a vida, eram a mais bela forma de comunicação com os seus irmãos. Ele não entendia que embora não conhecendo as letras, seu dever de casa nas matérias de solidariedade e de humanidade estavam sempre em dia. Mas nada lhe tirava o prazer em conhecer e desvendar esse mundo novo.
Desde que mudei, não mais o vi, e foi com o coração em festa que soube que ele havia concluído o ensino médio, lê a sua Bíblia diariamente, está antenado com as notícias e agora descobriu um tal de mundo virtual, aonde desconhecidos se encontram e se amam sem jamais terem se visto.
Sep, 26/2005 11:23pm
P.S. Trabalhei na cidade por quatro anos, num projeto de municipalização das políticas públicas, mas a experiência foi mais além da profissional, virou experiência e lição de vida.