Cordialidade existencial
Quando o despertador toca, acordo e dirijo-me ao banheiro. Abro a torneira, e sinto aquela água cintilante molhando o meu rosto. Desligo a torneira, seco meu rosto naquela toalha esquecida, e olho-me no espelho como se aquela água recém desperdiçada tivesse tirado as marcas e olheiras do meu olhar cansado. Frustração. Percebo que todas as tentativas de mudança só servem para me mostrar que tenho sido o mesmo de ontem, e que amanhã serei o mesmo de hoje. Talvez seja porque eu ainda não tenha notado que mudanças drásticas são sempre inviáveis quando somos aquilo que, no fundo, sempre tivemos vontade de ser. Não obstante, o que busco, na verdade, é atingir sempre a chamada 'cordialidade existencial', paz interior com minhas emoções e exterior com as relações humanas. É daí que justifico esse meu anseio por mudança. Anseio este que clama por esplendor toda vez que meus pensamentos não condizem mais com o que se mostra momentaneamente "mais aceito" no âmbito social.
-Oras! Não estaria eu errado por querer mexer no meu íntimo sem vontade? Sim. Claro que sim!
O fato é que todos pensam desta maneira. Mas nem todos têm coragem o suficiente para admitir que é muito mais satisfatório ser aceito socialmente pela maioria, mesmo não sendo adepto aos preceitos que regem a 'organização social' dessa maioria, a ser rejeitado por ser um pobre moralista hipócrita, cheio de ideias fantasiosas e utópicas.
Esse é o nosso sistema. Nosso dia a dia. Nossa arrogância. Nossa soberba. Nossa realidade.
A humanidade é triste. Mas faço da tristeza cotidiana minha aliada.
E então, depois desse minuto de reflexão parado em frente ao espelho, retorno ao quarto, coloco minha melhor roupa e penso: "hoje o dia vai ser como eu quiser, serei quem eu quiser e da maneira que eu quiser".
E assim tem sido. Porque a vida é um prêmio àqueles que não têm medo de mudar, de se atrever, nem de errar, nem de ser simplesmente quem, no fundo, nunca deixaram de ser.