É só ouvir!

Minha primeira tarefa, assim que chegava ao hospital, era pegar notícias de todos os pacientes. As notícias dos pacientes começavam a ser passadas para os familiares após as 09h00min h, portanto até esta hora minha pasta de notícias já deveria estar na portaria do hospital.

Então me dirigia para os quartos e de leito em leito, dava meu bom dia, perguntava como estava passando, se queria alguma coisa de casa, se precisava mandar algum recado, e tudo isto era anotado. Se o paciente estava confuso, agitado, eu informava de acordo com o relatório da enfermagem.

Entrei no quarto de seis leitos de Clínica Cirúrgica, e o terceiro estava vazio e em minha pasta estava anotado: Paciente em jejum para cirurgia de fêmur.

À tarde voltei ao quarto e a senhorinha já estava no leito, mas dormia.

No dia seguinte a mesma rotina. No relatório da enfermagem da noite constava: “Paciente confusa e agitada”. Ao chegar ao leito da D. Regina, 82 anos, vi que chorava. A paciente que estava do seu lado, rodou o dedo na orelha querendo me dizer que ela estava confusa. Puxei a cadeira, assentei-me e perguntei se tinha passado bem à noite, se estava com dor e ela me respondeu:

_Num dormi nada, mas num foi por causa de dor, não. Quando dói, os enfermeiros me dão o remédio.

_Mas então porque a senhora está chorando?

_Óia aqui, minha fia, eu to aqui com essa perna quebrada e as galinhas tão tudo solta e tão comendo minhas verduras todas na horta e acabando com minhas flores.

Bom, até ai, para mim era só a confusão mental, normal em todas as pessoas idosas que saem de seus ambientes. Anotei as notícias do relatório da enfermagem e segui. Não podia estender o assunto, pois tinha hora certa para entregar a pasta.

Depois do almoço, já sem o que fazer, voltei ao quarto dela, sentei ao lado de sua cama e perguntei novamente porque chorava. As outras pacientes já tinham me informado que “ela não estava boa da cabeça”. Sempre tem aquela paciente que sabe de tudo.

Ela me disse:

_Óia, aqui, minha fia, eu estava aguando a horta lá em casa, quando escorreguei, cai e quebrei a perna. Gritei muito e minha fia foi lá e quando viu que eu tinha machucado, chamou minha vizinha, que foi correndo chamar alguém no posto de Saúde. Eles vieram e me colocaram na ambulância e me trouxeram pra cá. Eu não sei se nessa baderna toda alguém lembrou de fechar o portão da horta e se não fechou as galinhas acabaram com tudo.

Ela não estava confusa, conclui. Então lhe disse calmamente:

- Olha D. Regina, eu vou telefonar lá pra sua cidade e vou pedir notícias de sua casa, ta?

Fui ao Setor de internação, procurei seu cadastro, sua cidade e número do telefone da Secretaria de Saúde. Liguei e pedi para falar com o Secretário. Identifiquei-me, expliquei toda situação e pedi a ele que mandasse alguém na casa da D. Regina para saber como estava a horta e as galinhas dela e queria também o nome de quem atendeu e informou. Cerca de duas horas depois ele me retornou e passou-me todas as informações.

Voltei ao quarto e disse-lhe:

_D. Regina, a senhora pode ficar tranqüila. O rapaz lá do posto de saúde foi em sua casa, Creusa sua filha falou com ele que estava tudo bem, que assim que tiraram a senhora lá da horta, fecharam o portãozinho, que ela estava cuidando de tudo e aguando a horta todos os dias e prendendo as galinhas a noite.

Ao me ouvir ela demonstrou um pouco de alívio e perguntou novamente:

_ Mas ele foi lá em casa mesmo? E respondi:

_ É claro que foi, D. Regina. Como eu saberia que sua filha que mora com a senhora se chama Creusa? Ah, e ele disse também que Dalva está indo lá todo dia de manhã e coloca seu vaso de violeta no sol e que as 10:00 hs ela volta com ele pra dentro de casa.

Ao ouvir isto ela riu, riu lindamente com sua boca banguelinha sem as próteses, riu com vontade e com toda alegria do mundo contida em uma única risada e me disse:

_ Agora eu sei que está tudo bem mesmo, porque o segredo para a violeta dar flor o ano todo só eu e Dalva sabemos. Só Dalva colocaria minha violeta no sol de manhã. Ah, minha violetinha!!!!!

Pegou minha mão, deu um beijinho murcho e disse:

_Agora eu posso ficar aqui até no mês que vem!

Tudo é só uma questão de ouvir.

Izis Lima
Enviado por Izis Lima em 12/10/2015
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