ESCREVER O SILÊNCIO

ESCREVER O SILÊNCIO

Ligar a máquina de escrever nessa noite... Ah

não. Ela faria um grande barulho no meio

destes silêncios silenciados pela madrugada,

pelos repousos esvoaçantes, pelos sonos e seus

donos. Gostaria de ligar a máquina para

escrever. Mas não! Há um silêncio muito

apreciável; um silêncio que não deve ser

perturbado.

Sou como um deus ora ciente deste silêncio

cujo poder tenho de rompê-lo. Por enquanto,

sou uma divindade benevolente; cúmplice

desse outro silencioso poder até então por

mim ignorado.

Ouço o respirar descompassados dos humanos

entregues aos braços de Morfeu em sua

destreza de adquirir qualquer forma humana e

surgir nos sonhos desses seres tal qual a

pessoa amada pelo incauto sonhador. Ouço o

pulsar do coração como se fora o tic-tac do

relógio aguardando o dia que parecerá mais

novo que seu habitual.

Esses silêncios sempre me lembraram morte

adormecida. Antigamente pensava inclusive que

o silêncio apenas tivesse um lado oco. Agora

percebo que pode ser o preenchimento dos

fragores, da inutilidade dos pronunciamentos

retumbantemente inúteis.

Sou um deus por demais onipotente.

Entretanto, hoje, demasiadamente humano,

nem lamento: não posso despedaçar o silêncio

da noite de sonhar com a minha máquina de

escrever sonhos.

Marllon Neves Langa
Enviado por Marllon Neves Langa em 11/10/2015
Código do texto: T5411324
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