MEMÓRIAS ( 7 )



Pulando um pouco no tempo, rememoro um fato que deixou uma marca indelével, marcou minhas atitudes para sempre. Já era um pouco maior, tinha cerca de seis anos. A casa da minha infância havia sido vendida. Não havia escola perto. Não era seguro ir caminhando por causa das boiadas. Foi uma decisão repentina, então, enquanto nossa nova casa era erguida, moramos com minha avó, na rua que ladeava os trilhos. Era a época de brincar na rua, com o bando de crianças que por ali havia e os primos também moravam naquela rua. A brincadeira era muito variada. Pião, bola de gude, estilingue, pipa, futebol para os meninos. bem, nunca aprendi a jogar bem o pião, mas bolinhas de gude e pipa... Aprendi a fazer pipa e maranhão. E, é claro, aprendi a empinar e não me saía mal. As brincadeiras das meninas, eram mais pular corda e "vamos brincar de roda?"
Quando os meninos jogavam futebol, brincadeiras separadas; quando não, era misturado. Se chovia, era uma festa brincar na enxurrada, no barro, fazer barcos de papel. Quando, pela primeira vez ouvi a frase do Chico Buarque "com seu único velho vestido cada dia mais curto", senti-me transportada a esse período de minha vida. Foi a época em que, antes de reparar nas barrigas, comecei a reparar em minhas tias e seus vestidos que se erguiam na frente,ficando mais curtos.
Com a mistura das idades e interesses de meninos e meninas, surgiam brigas.Geralmente entre os meninos, mas nem sempre. Às vezes as brigas envolviam todos, mas eu me mantinha fora, não gostava de brigar, não fazia parte de minha índole.Daquela vez porém foi diferente. Fomos colher os talos de mamona para fazer bolas de sabão. As mamonas cresciam no terreno da ferrovia, mas a cerca era aberta e fácil de passar. Tínhamos histórias suficientes para ficar longe dos trilhos. Então, alguém começou a jogar as bolinhas espinhudas da mamona. Algumas me atingiram e comecei a chorar. Começaram a caçoar de mim e minha turminha começou a me defender e, quando menos esperei, a atirar pedras, catadas na rua, a esmo. Não pensei, catei uma também e atirei, bem em quem estava mexendo comigo. A pedra era pontuda. Mesmo sem boa pontaria, sem nunca ter atirado uma pedra em alguém, mirei a cabeça do menino...e acertei, bem no topo. A pedra fez um talho, ele começou a sangrar, precisou ser socorrido, "levar pontos". O que conversaram meus pais e os dele, nunca soube. Não fui castigada ou repreendida. Talvez tenham achado que não era necessário. Aprendi ali, num único ato, num único instante, as consequências de dirigir a agressividade contra alguém de forma impulsiva e impensada.