Queria acordar numa manhã do passado
Acordei com o despertador no último volume, com uma música que eu já não suporto mais por ter enjoado.
Ela acordou com o galo cantando; e o vento lhe veio dar bom-dia: entrou devagarinho pela janela.
Mexi no meu celular por algum tempo, vasculhando todas as redes sociais, lendo textos que eu gostaria de ter feito, coisas que eu gostaria de comprado, países que deveria ter conhecido e fotos de hambúrgueres no Instagram que eu gostaria de ter comido. Em contrapartida, algumas modeletes já postam foto na academia demonstrando o porquê do dever de recusar hambúrgueres.
Demonstrando, também, mais do que deviam e mais do que me importo. Sigo elas por seguir.
A menina da fazenda se dirige, ainda meio cambaleante, à cozinha, e prepara o café amargo, preferência não dela, mas do irmão mais velho que acordará logo. Depois, com a xícara nas mãos, ela se recosta na janela e vê o sol surgindo pelas beiradas de seu mundo velho e os passarinhos já desenhando formas no céu. Sente-se a única do universo acordada, por enquanto, dona de tudo.
Vou para a cozinha ainda com o celular em mãos, ainda invejando o corpo das modeletes e a sorte de quem consumiu o hambúrguer, aperto dois botões e meu café está pronto. Minha janela tem grades, não dá pra recostar, e se recostasse, só veria o prédio vizinho e um céu nublado (nublado ou poluído? Vai saber). Ainda sim, sei que o sol surge pelas beiradas, mas não garanto que os passarinhos já estejam no céu – aliás, faz tempo que não vejo passarinhos. Só pombas. Malditas pombas. Sei, aliás, que todos estão acordados; já buzinaram cinquenta vezes lá embaixo. Não sou dona do mundo, pois se fosse, mandaria o mundo fazer silêncio e voltaria a dormir.
Pergunto-me se a menina gostaria de acordar em uma manhã do futuro...
Talvez.
Pergunto-me se o título do texto é verdade.
Não sei.
Talvez.