CHOCOLATE NA TABACARIA

Devo sair à tarde para comprar o presente dele e penso. Fico indiferente diante das vitrines dos grandes magazines e penso. Peço um sorvete na padaria e penso.

Há pouco tempo se dizia da cidade que esse lugar, no mapa, era o fim da linha. Que fazer compras tinha endereço certo na cidade vizinha. Hoje, em qualquer esquina, com um pouco de exagero, pode se encontrar mercadorias e preços. Morei nesse bairro quando ainda não havia aqui mais que duas lanchonetes e hoje tudo está mudado.

Mas ainda não comprei nada para dar de presente hoje à noite. Então, melhor apressar o passo e traçar melhor o roteiro.

Caminho de oficinas mecânicas, farmácias, postos de gasolina, bares, muitos bares. Daqui posso ver um shopping, sapatos e gravatas é o que não procuro. Do alto da avenida tenho uma vista privilegiada do centro da cidade que se espalha num ritmo concreto e dou as costas para a zona norte. E penso...

Penso que talvez o presente ideal fosse algo que traduzisse esse espírito de crescimento, de euforia, de fartura. Ou, ao contrário, algo que demonstrasse a efemeridade das coisas que pretendem nos impressionar. Peço coca-cola no bar da esquina e reparo que não vendem cigarros ali. Dou meia volta e fico parado diante do sinal vermelho do semáforo. O trânsito impede a passagem dos pedestres. Sem pressa espero o fluxo, os sinais, as cores no semáforo. É nesse momento que reparo a existência da tabacaria quase dentro de mim .

A tabacaria não está ali por acaso, trazida para corresponder ao meu desejo de encontrar um presente de aniversário. A menina atendente tem o lábio inferior borrado, diria mordido de chocolate. Antes de dizer "oi", joga no lixo a embalagem que cobria seu kopenhagen.

A variedade de formas, cores, coberturas, recheios, embalagens, caixas para presente invadem meus olhos e não consigo decidir. Chocolate na tabacaria, o melhor presente? Peço cigarros, pago e saio.

Saio e percebo que estou atrasado. Decido que a vida é breve e que levarei cigarros de presente hoje. Levarei os cigarros como tenho levado o presente nos dias, as horas quentes das tardes e a maldita eternidade de cada instante. O tempo que durar aquele maço de cigarros, estarei com ele.

Penso que amigos e parentes não vão compreender que eu me apresente hoje à noite com cigarros para presente. Penso que preciso aproximar as ideias desencontradas nessas orações e simplificar tudo.

Penso e tenho dúvidas se carecemos mesmo de realidade.

Antônio B.

Baltazar Gonçalves
Enviado por Baltazar Gonçalves em 05/10/2015
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