Respondo negativamente
Com esta frase, sem pontuação, e muito menos saudação, aquele Cônsul recusou minha ida para Milão. E, sem boca, muito menos ir a Roma pensei.
Mas a verdade foi que penei. A década dos noventa já passava de sua metade e, de um remoto rincão no sudeste asiático tentei, ao que então fazia jus, conseguir uma remoção para um posto menos periférico, onde, além de obter melhor exposição no trabalho, minha filha adolescente pudesse se encaminhar para uma universidade. E o problema não era somente a vaga, sempre muito disputada. Tinha que haver também a anuência da chefia, razão por vezes de mais renhida e incerta porfia.
E a porta em que bati, em minha cara bateu de volta. E, para agravar, fora transmitida no mesmo endereço eletrônico de minha filha, por onde eu havia encaminhado o pleito, pois à época os e-mails ainda engatinhavam e constituíam uma raridade, ainda meio fora do alcance da gente de meia idade que com computador carecia de intimidade.
Lembrar-me da perplexidade estampada no rosto de minha filha ao ler aquela enigmática recusa é ainda penoso, mais de 18 anos decorridos, mesmo que, doutra forma, intensamente vividos.
Uma bênção disfarçada, contudo, foi o surgimento de uma oportunidade em Londres, que dissipou o amargo dissabor milanês. Fui trabalhar com
um chefe digno, exigente e sobretudo reconhecedor do esforço da gente.
E minha filha pode então trilhar um caminho acadêmico de sonho, ingressando em Oxford.
A ironia do destino, decorrida uma década daquele desatino, foi que, já de volta ao Brasil, e mais familiar com a computação, recebi mensagem circular anunciando a finalização e o lançamento de conjunto de memórias
da vida diplomática - e inclusive, solicitando eventual contribuição - para a obra O Bife de Zinco, que era como se intitulava um antigo restaurante adjunto ao Palácio do Itamaraty, no Rio de Janeiro.
Era a hora de eu usar duas palavras mágicas, fágicas...trágicas.