Pais maus
Quando menino, não conseguia compreender o motivo em ter que caminhar mais de dez quadras para ir à escola, se minha residência distava duas do colégio mais próximo. Era para aprender mais e melhor, diziam meus pais. A adaptação foi difícil, pois tinha as origens na zona rural e vivia frequentemente amuado, com cara de poucos amigos. A disciplina de Educação Artística era a que mais me atormentava. Por conta da excessiva timidez, sofria quando D. Emília, minha tão bem intencionada professora, tentava aliviar aquele fardo que me acompanhava há tempos, inventando novas atividades de grupo para apresentação em sala de aula. Numa dessas empreitadas, cismou ela de me transformar em cantor, providenciando a letra de uma canção conhecida na região, em homenagem a uma cidade que à época, já mostrava sinais de exuberância.
E no fatídico dia da apresentação, lá fui eu para frente dos demais alunos, sentindo-me como um borrego prestes a ser abatido. Com os olhares voltados para o novo artista que despontava naquele momento, quase não conseguindo respirar e com o rubor queimando o rosto, senti a mão protetora da professora em meu ombro, que com voz afetuosa me estimulou a cantar. Nesse momento especial, entoamos no dialeto castelhano, a canção escolhida. Os aplausos tiveram o efeito de um bálsamo milagroso, fazendo-me sentir o melhor dos mortais. Agradeço sempre a meus pais pela atitude firme em me fazer caminhar um pouco mais.
Daquela saudosa época aos dias atuais, muita coisa mudou. Muitos pais já não se interessam em acompanhar com assiduidade a vida escolar de seus filhos. Julgam que o fato de proporcionar-lhes transporte, material escolar e uniforme já é o suficiente para o aprendizado dos rebentos. E que é dever da escola fornecer a formação moral, tão importante em nossa vida. Mal sabem eles que, por conta de sua negligência e omissão, farão de seus filhos pessoas dependentes e inseguras para a vida. Ao invés de oferecer apoio, carinho e atenção, os entopem de futilidades. Como se a tecnologia revestida em forma de aparelhos celulares, computadores e outras bugigangas mais, os preparassem para os desafios da vida.
Os pais omissos com a formação dos filhos são os mesmos que, tomados por inexplicável indignação, resolveram questionar publicamente uma decisão da diretora, que tinha como único objetivo impor limites àqueles alunos faltosos e desinteressados, que costumeiramente afrontavam os preceitos do respeito às regras daquela conceituada instituição de ensino. Pais inconsequentes. Que com suas atitudes impregnadas de arrogância e prepotência, ousaram definir publicamente a fiel defensora da ordem escolar como intransigente, fazendo-a capitular perante a sociedade. Que defenderam a má conduta do filho nesse equívoco malogrado, restando àqueles que não compartilham com tais iniciativas, um sentimento unânime de comiseração. Nada mais poderemos sentir por aqueles pais que fazem questão de ostentar uma alta dose de hipocrisia e com o pretexto de defender os interesses dos filhos, ousam equiparar os profissionais da educação em simples serviçais a seu exclusivo propósito. Pais maus. Não se apercebem da maldade que a indiferença pode produzir, levando os filhos para os caminhos das dependências de toda espécie, fazendo de um jovem com um futuro brilhante na vida, em um ser humano totalmente carente de quaisquer princípios morais.
Infelizmente, a maldade de alguns pais continua a acentuar-se, ao vivenciar uma era adiante do tempo atual. Pais que não se interessam com o navegar dos filhos pela Internet, pouco importando se o conteúdo acessado é adequado para a idade da criança. Ou ainda, não fazem questão de saber onde os filhos estão se divertindo, e pior, quais são suas amizades, nem com o horário em que uma adolescente de quinze anos chega da balada.
Quem diria que em alguma época de nossas vidas ousamos vislumbrar em nossos pais algum resquício de maldade, por um motivo qualquer. Eles só queriam o nosso bem. E faziam questão de impor suas vontades com perseverança, porque sabiam que estavam preparando seus filhos para serem cidadãos dignos e honestos. Os mesmos sentimentos que acompanhavam minha saudosa mestra D. Emília, de terna lembrança. Que me fez sentir o prazer da superação, mostrando o caminho a ser seguido com determinação e confiança. Ou, mais recentemente, com os sentimentos da diretora tentando educar, pela disciplina regimental da instituição escolar, os filhos de pais condescendentes. Quiçá, no futuro, possamos ver, em todos aqueles que exercem a sublime tarefa de criar seus filhos, a plena consciência da imensa responsabilidade que lhes foi confiada, que é a de formar verdadeiros cidadãos