CRÔNICAS DE TERESINA – A FEITICEIRA DO AMOR (4)

Não vou te dar adeus, porque também vou para o além. O teu porte altaneiro de ser humano transcende os comuns mortais. O mau destino ou a covardia de humanoides arrebataram-te do planeta terra, quando tinhas muito o que fazer pela sociedade, a qual amavas como a ti mesmo, sobretudo os pobres. Tive o privilégio de ser amigo, desde a velha mocidade, Teresina, Piauí, de uma pessoa que a natureza moldou, a ferro e fogo, como foste.

Desde menino, o trabalho, o estudo, eram sua prática diária. Depois, aproximamo-nos numa aventura revolucionária contra ditadura militar. Fizemos movimentos literários. Fomos companheiros de cárcere. Depois, tivemos uma luta particular pela sobrevivência no Rio de Janeiro. Mais corajoso, continuaste lá, onde constituiste familia e, mais ou menos, aos 50 anos, as perdas existenciais abusaram de ti como se merecesses tantas brutalidades e ignomínias. Só os grandes resistem a cruéis provações.

Amigo Benoni, meu irmão socialista, de sofrimentos e de alegrias, continuas vivo na minha memória. Tenho muito de ti pelo convívio que foi uma das coisas mais belas que a vida me proporcionou. Não creio que tua morte tenha sido um casual latrocínio. Posso estar equivocado, mas revolucionário político que eras, jornalista das causas populares e poeta, feriste interesses poderosos, que não perdoam ter seus privilégios combatidos. Rio das Ostras te homenageou do velório á sepultura. E, aqui, acho que tua filha Clarissa, jornalista, de O ESTADO DE SÃO PAULO, repórter bastante experiente, busque esclarecer o crime, para que os assassinos de um militante político e sindical fiquem impunes. Que bandidagem. Que vil covardia. Benoni não morreu, vive para sempre em nosso coração e mente.

Vamos publicar fotos recentes de Benoni, do seu sepultamento, noticias na midia e um poema que sintetiza as adversidades que enfrentou com bravura até seus últimos dias.

O ANJO DA MORTE – ou poema autobiográfico

Benoni Alencar

E, ao sair-lhe a alma (porque morrera), deu-lhe o nome de Ben-oni. Mas seu pai, Jacó, chamou-lhe Benjamin (GÊNESIS – 35:18)

Quando eu nasci,

um anjo colérico do Gênesis

bradou em aramaico

Seja Benoni, filho da Dor.

Mas Jacó-pai, condoído do caçula,

alterou-me a alcunha

batizando-o Benjamim

E eu saí por aí,

desdenhando de certeiras dores

(ou dourando-as de alegria)

e sucumbindo a outras

num perigoso jogo de precipícios

que me fez esperto equilibrista

trapezista de alegrias e tormentos físicos

As dores da fome

mastiguei-as dos 7 aos 17;

as das doenças, espantei-as aos 15

como se espantam

hipocondríacos fantasmas.

Na prisão, escapei da dolorosa tortura

por pura sorte

pois era tempo de Ditadura.

Daí por diante,

marchei insone.

Mais Benjamin

do que Benoni

Até que, aos 55,

achou-me de novo o anjo aramaico

e me marcou para sempre

com a dor hemiplégica.

Como já marcara Jacó,

feito coxo por golpe de espada incandescente,

por todos os tempos bíblicos.

“Agora é pra valer”, disse o anjo,

em definitivo anátema:

“nem mais um dia sem dor”.

samuel filho
Enviado por samuel filho em 03/10/2015
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