Orlando Silva: 100 anos!
1. Tive uma namorada que adorava uma serenata. E eu fazia tudo para satisfazê-la. Sabedora desse meu propósito, ela, nos fins de noites, olhando timidamente pelas frestas das janelas de sua casa, ficava esperando pelo seu "seresteiro", morrendo de medo do seu ilustre pai, seu ídolo.
2. Muito ciumento, ele custava aceitar essas cantorias fora de hora nas proximidades de sua residência; ainda que as músicas - e ele sabia disso -fossem para alimentar os devaneios de sua jovem e bela filha, poucos anos mais nova do que eu.
3. No vigor dos meus vinte e poucos anos, fingindo não ter medo de "cara feia", eu caminhava no silêncio da meia-noite na companhia de um seresteiro (contratado), de um violão apaixonado, e, às vezes, de uma lua cheia - "a deusa das serenatas" -, no céu de Fortaleza muito mais bonita, até abeirar-me da janela dela.
4. Para que tudo saísse direitinho, ela e eu bolamos uma senha que avisava que eu estava a caminho. A senha vai permanecer em segredo. Nunca tive permissão para lhe dar publicidade; nem o tempo, volvidos mais de meio século, autoriza-me a revelá-la.
5. O seresteiro contratado tinha uma voz cristalina e um repertório variadíssimo. Você pedia e ele, imediatamente, assobiava os grandes sucessos de Carlos Galhardo, Nelson Gonçalves, Francisco Alves, Silvio Caldas, Vicente Celestino, Augusto Calheiros e toda as canções de um cantor que arrasava chamado Orlando Silva, cujo centenário estamos comemorando neste 3 de outubro de 2015; principalmente nós, os coroas.
6. As canções do Orlando "arrebentavam corações", como diziam os radialistas de então. Canções de compositores extraordinários como Cristovão de Alencar, Orestes Barbosa, Cândido das Neves, Custódio Mesquita, Lamartine Babo, Noel Rosa, Mário Lago, Benedito Lacerda e o legendário Pixinguinha, que nos deu de presente esta beleza que é a valsa Rosa.
Vejam o que sobre o Orlando escreveu o crítico e historiador José Ramos Tinhorão: "Na voz dele, os versos não têm medida, não terminam nem começam, se intercalam. Você se pergunta: que horas ele respirou?"
7. Relembrando algumas "páginas musicais" (arre!) interpretadas por Orlando Silva no pequeno tempo em que sua estrela brilhou como de primeira grandeza: Última estrofe, Mágoa de caboclo, Aliança partida, Juramento falso, Lábios que beijei, Sertaneja, Neusa, Jardineira e Carinhoso, uma perfeição de valsa.
8. Orlando nasceu no dia 03.10.1915, às sete horas da manhã, no Engenho de Dentro, bairro carioca. Seus pais: José Celestino da Silva, ferroviário, e dona Balbina Garcia da Silva. Em 1933, atropelado por um bonde na Praça da República, no Rio, teve decepado metade do seu pé esquerdo.
9. Chegou ao rádio, na sua época de ouro, pela mão de Francisco Alves. Ao ouvi-lo cantar, Chico Viola apaixonou-se pela voz do jovem Orlando, mulato e pobre. Até então trabalhava como cobrador de bonde. Deixava os passageiros em êxtase quando resolvia abrir o gogó.
10. O Cantor das Multidões, título que lhe foi dado pelo radialista Oduvaldo Cozzi, morreu aos 63 (62?) anos de idade, às 16:45, vítima de um acidente cardio-vascular isquêmico, no Hospital Graffé Guinle, na Tijuca.
11. Não vou comentar ou fazer qualquer referência ao ocaso do nosso Orlando Silva. O momento é de lhe levar flores e agradecer pelas vezes que ele nos ajudou a superar ou afastar nossas dores-de-corno. E quem não as teve?
12. Antes do ponto final. Duas canções do Orlando abriam ou fechavam aquelas serestas que, agora, as recordando, só me trazem saudades: Por ti e Lábios que beijei.
13. É um pouco da história deste cronista, seresteiro aposentado, que durante sua juventude amou cantando e ouvindo Orlando Silva, sem dúvida o maior cantor popular brasileiro em todos os tempos.
1. Tive uma namorada que adorava uma serenata. E eu fazia tudo para satisfazê-la. Sabedora desse meu propósito, ela, nos fins de noites, olhando timidamente pelas frestas das janelas de sua casa, ficava esperando pelo seu "seresteiro", morrendo de medo do seu ilustre pai, seu ídolo.
2. Muito ciumento, ele custava aceitar essas cantorias fora de hora nas proximidades de sua residência; ainda que as músicas - e ele sabia disso -fossem para alimentar os devaneios de sua jovem e bela filha, poucos anos mais nova do que eu.
3. No vigor dos meus vinte e poucos anos, fingindo não ter medo de "cara feia", eu caminhava no silêncio da meia-noite na companhia de um seresteiro (contratado), de um violão apaixonado, e, às vezes, de uma lua cheia - "a deusa das serenatas" -, no céu de Fortaleza muito mais bonita, até abeirar-me da janela dela.
4. Para que tudo saísse direitinho, ela e eu bolamos uma senha que avisava que eu estava a caminho. A senha vai permanecer em segredo. Nunca tive permissão para lhe dar publicidade; nem o tempo, volvidos mais de meio século, autoriza-me a revelá-la.
5. O seresteiro contratado tinha uma voz cristalina e um repertório variadíssimo. Você pedia e ele, imediatamente, assobiava os grandes sucessos de Carlos Galhardo, Nelson Gonçalves, Francisco Alves, Silvio Caldas, Vicente Celestino, Augusto Calheiros e toda as canções de um cantor que arrasava chamado Orlando Silva, cujo centenário estamos comemorando neste 3 de outubro de 2015; principalmente nós, os coroas.
6. As canções do Orlando "arrebentavam corações", como diziam os radialistas de então. Canções de compositores extraordinários como Cristovão de Alencar, Orestes Barbosa, Cândido das Neves, Custódio Mesquita, Lamartine Babo, Noel Rosa, Mário Lago, Benedito Lacerda e o legendário Pixinguinha, que nos deu de presente esta beleza que é a valsa Rosa.
Vejam o que sobre o Orlando escreveu o crítico e historiador José Ramos Tinhorão: "Na voz dele, os versos não têm medida, não terminam nem começam, se intercalam. Você se pergunta: que horas ele respirou?"
7. Relembrando algumas "páginas musicais" (arre!) interpretadas por Orlando Silva no pequeno tempo em que sua estrela brilhou como de primeira grandeza: Última estrofe, Mágoa de caboclo, Aliança partida, Juramento falso, Lábios que beijei, Sertaneja, Neusa, Jardineira e Carinhoso, uma perfeição de valsa.
8. Orlando nasceu no dia 03.10.1915, às sete horas da manhã, no Engenho de Dentro, bairro carioca. Seus pais: José Celestino da Silva, ferroviário, e dona Balbina Garcia da Silva. Em 1933, atropelado por um bonde na Praça da República, no Rio, teve decepado metade do seu pé esquerdo.
9. Chegou ao rádio, na sua época de ouro, pela mão de Francisco Alves. Ao ouvi-lo cantar, Chico Viola apaixonou-se pela voz do jovem Orlando, mulato e pobre. Até então trabalhava como cobrador de bonde. Deixava os passageiros em êxtase quando resolvia abrir o gogó.
10. O Cantor das Multidões, título que lhe foi dado pelo radialista Oduvaldo Cozzi, morreu aos 63 (62?) anos de idade, às 16:45, vítima de um acidente cardio-vascular isquêmico, no Hospital Graffé Guinle, na Tijuca.
11. Não vou comentar ou fazer qualquer referência ao ocaso do nosso Orlando Silva. O momento é de lhe levar flores e agradecer pelas vezes que ele nos ajudou a superar ou afastar nossas dores-de-corno. E quem não as teve?
12. Antes do ponto final. Duas canções do Orlando abriam ou fechavam aquelas serestas que, agora, as recordando, só me trazem saudades: Por ti e Lábios que beijei.
13. É um pouco da história deste cronista, seresteiro aposentado, que durante sua juventude amou cantando e ouvindo Orlando Silva, sem dúvida o maior cantor popular brasileiro em todos os tempos.