Almoço

Quem escreve deve ter um mínimo respeito pelo leitor, pela crítica e por si mesmo.

Dia claro, temperatura amena e local tranquilo, sem barulhos da rua, embora estivesse no centro de grande cidade, numa mesa grande, a conversa comia solta. Aguardavam a chegada das primeiras postas de bacalhau frito, para ser mais exato, filé do peixe tão gostoso.

— Cheiro maravilhoso! — Quem falou foi um homem elegante, terno muito bem feito, para ser mais exato, completamente ajustado naquele já de alguma idade, sorridente e muito bem barbeado. Tem gente que é assim. Aonde chega, lembra o trecho de Camões “Cesse tudo o que a antiga musa canta / Pois outro valor mais alto se alevanta.”

Vieram as primeiras postas. O cheiro e a cor encantavam. A fome estava presente, mesmo com fartos goles no vinho branco português, primeiríssima qualidade.

— Excelente! Que gosto!

— Confesso que parecido, ainda não comi.

Não tinha espinhas, havia sido frito no azeite extravirgem, naquela época ainda desconhecido fora dos países mediterrâneos. Hoje, até o selvagem boteco da esquina, para disputar a freguesia, faz frituras naquele azeite, que tudo transforma em maravilhoso, se bem e com carinho for feito.

— Mas diga, mestre. Por favor, não é exploração, quero apenas melhorar a escrita, convencer, não ser falso.

— Pois digo! Se há uma coisa que eu gosto é ensinar, se jeito não me falta, por que esconder dos outros? É simples. Não engane, não procure ser o doutor, seja direto e invente. Não há invenção, a gente repete tudo. Fale como estivesse contando uma história para moços, eles entendem tudo.

— Tem gente que não gosta da maneira.

— Não são bons leitores. Mas eu entendo. O novo nunca é bem aceito.

— Sempre?

— Na maioria das vezes, meu jovem amigo, na maioria das vezes. O desconhecido sempre mete medo! Veja a Morte. Tem medo dela?

— Não sei responder. Medo como, se algum dia vou mesmo?

— Isto! Mas poucos reconhecem! É a verdade.

— Mas por que raios muitos querem aparecer, só isso, sem construir nada?

— Não julgue mal. É vaidade, nada mais senão isso, não leva a nada, mas eu, você e todos temos isso.

— Aparecer?

— Nem tão exatamente isto. Afinal, somos nada, mas é difícil suportar carga tão pesada. Não se trata de aparecer. O fato é mais sutil, delicado, e deve ser entendido com extrema compreensão. Seja humilde, repito. Não procure enganar. Repito também. E não invente, seja sincero e direto. A fantasia nada mais é do que a realidade bem contada.

Quem são estes? Um, um romancista sem nome. Outro, o escritor João Guimarães Rosa, num almoço de tempo longínquo, mas bastante vivo e feliz.