MEMÓRIAS ( 6 )


Certa vez, um trabalhador, um homem muito simples estava num bosque, quando ouviu pedidos de socorro. Vinham de um charco meio pantanoso de onde um jovenzinho tentava sair sem sucesso. O homem
ajudou o garoto, arriscando-se também, conseguiu retirá-lo dali, salvá-lo. Tomou as providências necessárias para que o menino pudesse voltar para casa.
Alguns dias depois, ele foi procurado pelo pai do garoto que socorrera. Este, sabendo ter ele um filho da mesma idade do seu, em agradecimento, propôs pagar os estudos desse menino, dando-lhe a mesma educação e as mesmas oportunidades que ao seu próprio filho.
E assim foi feito. O garoto pobre era Ian Fleming, o descobridor da penicilina; o filho de seu benfeitor era Winston Churchill, cuja vida, quando ele teve uma pneumonia, foi salva pelo remédio descoberto.

De forma indireta, posso dizer que também minha vida tem relação com essa história. Essa é a lembrança mais antiga em minha memória. Partes são lembradas, partes resultam de informações. Minha irmã caçula nasceu quando eu tinha dois anos. Contam que eu era muito paparicada por ser a primeira filha depois de quatro anos de casamento. Dizem que era um bebê muito bonito, de bochechas coradas e olhos azuis como contas. Mas, quando minha irmãzinha nasceu, algo deve ter mudado. Ela era mais franzina, tinha alergia ao leita e requeria muita atenção.
Comecei a ter febre alta.Eu havia levado um tombo, mas não sabiam se havia relação. O fato é que estava com uma infecção que não conseguiam identificar ou localizar. Poderia ser fatal, mas havia um medicamento, recém descoberto, que poderia resolver: a penicilina. Uma farmácia, com geladeira e um farmacêutico para as aplicações foi indicada. Ficava na Moóca. Levavam-me de trem para receber as aplicações. Formou-se então um abscesso no antebraço esquerdo, na parte anterior, perto da junta do cotovelo. Ali foi feita uma incisão, por onde foi drenado o que se concentrou naquele ponto.Fiquei com uma cicatriz, pequena, mas larga, feia até. Faz parte de minha identidade. Ainda garota, estranhava que as outras crianças não tivessem o mesmo sinal. Depois de ouvir a história repetidas vezes, foi que entendi. Lembrança de dor, de sofrimento? Não. A lembrança clara é da geladeira branca, daquelas arredondadas e de estar deitada numa cama grande, de uma colcha branca, de um cobertor salmão que me cobria, de ter a sensação de estar ali sozinha.