Um lado oculto
Existe um lugar desconhecido da gente, onde não há claridão, onde não podemos ver. Lá podem estar escondidos coisas de você que seria melhor realmente, não ver. Quem sabe tudo o que fizemos de “errado” em vidas passadas, pra quem acredita, esteja lá. E os nossos defeitos medonhos, aqueles que vemos sempre nos outros. Tudo isso porque talvez, não conseguiríamos conviver com eles.
Um dia ao me olhar refletindo no espelho, procurei fundo demais, e vislumbrei esse meu lado oculto. Insisto, foi um vislumbre. Ter noção dos nossos defeitos, já é um bom começo para melhorar, mas vê-los de tão perto me chocou.
Eu fiquei assim, em transe. Não é como ver um monte de situações e coisas erradas, é mais como saber de todos os nossos pensamentos, desejos ruins, e vê-los com olhos de justiça. Eu via tanta arrogância em pessoas que querem ser médicos por status, porém esqueci de ver a minha própria arrogância.
Vi sim, senti sim e fiquei mal. Odiei o que vi. Eu não era assim... Ou sempre fora?
É um ciclo vicioso se ligar às coisas ruins da vida, pra quem leu Polyanna, fica uma bela mensagem, tudo tem o seu lado bom, mas pra mim, nada parecia pior. Eu me achava boa demais...
Então, uma nota baixa em Ginecologia, vulgo GO, me fez cabisbaixa, havia culpado a prova. A professora com “requintes de crueldade” numa mesa entre seis alunos, na minha frente disse:
_ Gente, essa prova foi ridícula. Só uma pessoa sem capacidade de pensar poderia ir mal.
Pronto, eu não era mais nem boa nisso. Nem em estudar eu estava me dando bem, o que mais eu poderia esperar da vida. Viver pra quê? Eu já não tinha bons fluídos para ser ser humano, não tinha capacidade para ser uma boa aluna, nunca seria uma boa médica, e sentia uma saudade absurda, porque partiu a pessoa que mais amava. Entendi porque afinal, as pessoas se matam. Cada vez menos, via chances pra mim.
Uma luz no fim do túnel, Laís:
_ Jule, as pessoas são todas iguais. E você também. Isso o que você viu, está em toda parte. Você está num processo de mudança. E toda mudança, gera sofrimento.
Eu já não era mais a mesma, nem pra escrever, eu não sei mais escrever, meus textos se tornaram vazios, “feios”, mas teve alguém que acreditou em mim, João Adolfo, sempre presente, insistindo que vale à pena me ler. Mais uma luz.
E hoje o ciclo se fechou, meu professor de Técnicas cirúrgicas, o mais exigente de todos, arrogante com todos os alunos, que não perdoa erros e sempre muito crítico, encontrá-lo numa segunda-feira de manhã podia representar o meu fim, ele então:
_ Não tem aula. Vocês não olham o cronograma antes de vim para a aula?
Eu, sorrindo:
_ Não.
_ Muito bem. – Ele fez um olhar reprovador. - Você poderia ter ido melhor na prova.
Parecia que não era o que eu precisava ouvir, mas:
_ Você tem potencial.
_ Eu fui tão mal assim?
_ Não. Mal, mal, não. Mas tem potencial pra ir muito melhor.
Pronto, eu tenho uma amiga que acredita no meu potencial como pessoa, eu tenho um amigo que acredita no meu potencial como escritora e agora tenho um professor, e não é qualquer professor, mas o Professor José Ivan que acredita no meu potencial como aluna, e tenho uma semana pra fazer tudo isso valer a pena.
Com lágrimas encerro este texto, para começar um novo caminho.