Um Não é tudo!
Trabalhando na Prefeitura, todo mês recebia D. Taninha com todas as suas lamúrias, me pedindo para pagar sua conta de água, de luz, seu gás ou uma cesta básica. Aliás, em 30 anos de profissão sempre odiei esse rótulo que todas nós, assistentes sociais ainda trazemos na testa “Cesta Básica”.
Ela é miudinha, bem franzininha, mas levadinha ... Forrozeira, gosta muito de uma biritinha e se fazia de santinha sofrida comigo. Eu gostava de prosear com ela e acabava lhe concedendo alguma coisa, todo mês. Como dizem: “Criei cobra na cabaça”.
Um dia ela chegou, e começou sua lenga-lenga. Lamuriou bastante, cabecinha baixa, meio caída de lado, as mãos cruzadas na frente do corpo, posição já ensaiada por todos que querem pedir algo. Neste dia, realmente eu não tinha nada para lhe dar. Disse-lhe um sonoro NÃO e perguntei:
_D. Taninha, por que é que a senhora não está panhando café? Os caminhões estão saindo cedo cheios de gente pra trabalhar nos cafezais e lá em São Vicente ainda estão precisando de mais gente. Esta época agora é boa pra todo mundo ganhar um bom dinheiro, tem muito trabalho. A gente tem que aproveitar agora pra ganhar dinheiro, pois depois que o café acabar ai sim, não tem trabalho mesmo.
Ela levantou a cabeça, me olhou, vi ódio em seus olhos miudinhos e disse:
_Ocês são muito engraçadas, mesmo, ne? Mandar a gente ´panhá’ café, cês manda, mas ir lá “panhá” cês num vão, ne?
Segurei um risada que estava prestes a explodir e meus funcionários que ouviam a conversa, também. Fiquei séria e respondi:
_ Olha aqui, D. Taninha, eu não vou ‘panhá’ café porque passei muitos anos relando banco de escola, passando sabe lá Deus o que pra pagar meus estudos, pra estar aqui dentro trabalhando e pagando minhas contas. Mas se não fosse assim, eu estaria ‘panhando’ café sim, ou cortando cana, mas qualquer coisa eu faria pra buscar meu sustento.
Ela foi até a porta, virou-se e me respondeu:
_Pois fique a senhora sabendo, que eu não ‘panho’ café, não, porque tenho medo de cobra. E eu vou lá em cima agora e vou falar com o prefeito que a senhora me negou uma cesta básica.
Lá se foi ela e nunca mais falou comigo. Se continuava a ganhar era diretamente com o prefeito. Se nos encontrássemos na rua, abaixava a cabeça ou até passava para o outro lado do passeio.
Moral da história: Você pode ajudar o outro dez vezes, mas será lembrado somente pela única vez em que deixar de ajudar.