Sozinho Em Cena

Aceitou a normalidade, uma vida tranquila, até desinteressante aos olhos de quem prefere certa dose de emoção. Era o amigo, nunca o interesse amoroso, o confidente, a ponte, por ser quase invisível, podia transitar entre todos e por nunca dizer o que sentia, dizia sempre o que pediam. Numa lista de pessoas memoráveis, figuraria entre os últimos, mas havia um mundo infinitamente interessante dentro de si, podia criar histórias - geralmente as que gostaria de viver. É o que acontece quando a vida inventada torna-se mais real que a própria realidade. Nem era fácil viver assim, mas foi induzido a acreditar que nem sempre é como desejamos. Em sonhos ele era o cara, ela, louca por ele, o que o fez duvidar da sanidade mental quando pela primeira vez, o encarou. Veio em sua direção, parecia miragem, sonho, devaneio mesmo, olhou em seus olhos e disse que precisavam conversar. Sinos tocando, as tais borboletas no estômago, música na cabeça e a certeza de ter valido a pena esperar. Foram a um lugar mais reservado, lá, nada de rodeios, ouviu palavras doces, soube que era correspondido, pensou ter perdido um puta tempo pelo medo da rejeição e lamentou não ter dado o primeiro passo, mas não tinha importância, agora recuperaria todo ele, retomariam de onde nunca haviam parado, porque em sua mente sempre foram um do outro, concretizaria os sonhos, viveria o amor que já existia em textos e linda memórias. Ela não sabia, mas eram muito felizes juntos, um casal perfeito, gostavam de passeios no parque, dias de chuva, filmes românticos, noites de pizza e jantares a dois, preparados por ele - um dos seus talentos que poucos conheciam, mas ela saberia de tudo, conheceria o melhor namorado do mundo. Finalmente, o esperado beijo, todo o talento com as palavras não serviria para descrever o que sentia, era como se pairasse no ar. De repente, os sinos deixaram de soar, as borboletas escaparam, a música terminou e não devia ser desse jeito, nas milhares de cenas que escreveu, acontecia exatamente o contrário. O zumbido no ouvido era uma realidade nada musical, a voz ainda era doce, a mesma que fazia juras de amor, mas agora, apenas o queria como cupido, essa era a sua fama, orgulhava-se de ter unido milhares de casais no Colégio, sentia-se útil. Pra variar, estava em seu mundo fantasioso. Ela não o via com os mesmos olhos apaixonados, achou que seria melhor agradá-la, amizade também é amor, sendo grata, quem sabe, mesmo que em mil anos, o enxergaria da mesma forma. No fim do dia, passando pelo corredor, viu seu mais novo feito, beijavam-se com a mesma paixão com que a beijou nos sonhos, mais uma vez vivia uma cena inventada, ele era o cara de sorte que estava com a garota mais linda, ela o amava e nada mais parecia importar. Foi pra casa com uma história, uma a mais pra coleção, mais uma que protagonizou sozinho, o personagem do monólogo que pra sempre apresentaria, seria astro e platéia, sem nunca ouvir aplausos, nem pedidos de bis.