VESTIDA DE PRIMAVERA

Nesses mais recentes dias do espocar das flores é impossível andar pelas ruas e não tornarmos nossos olhos mais atentos ao entorno que invernalmente nos passaria despercebido.

É como fotografar a alegria com os olhos.

A primavera é sempre uma explosão de formas e cores e mesmo numa cidade como São Paulo, algo enfisematosa, que se esforça para respirar e cuja resiliência ecológica resfolegante parece ser seu maior desafio de existência, a natureza tropicalíssima mostra seu coração de mãe vestida de primavera a nos iluminar ao cinza, como fogos no céu duma noite de festa, em toda a sua biodiversidade legitimada...por entre uma atmosfera cada vez mais seca e poluída.

Ando pelas ruas e, mesmo se não fosse eu uma brasileira, não tardaria a perceber que por elas a primavera grita e impõe a sua nacionalidade em tons vibrantes de verdes e amarelos multiformes, sob dias ensolarados de céu anil em meio a floculados de brancas e escassas nuvens.

Além dos Ipês amarelos, árvores simbolo nacional que pontuam em cada esquina de cada pedacinho de terra, a que se salvou milagrosamente da impermeabilização transloucada da cidade, aqui pelas ruas do meu bairro vejo uma enormidade de outras árvores de copas vastas e folhas verdíssimas e gigantes que possuem uma densa florada de florzinhas amarelas e que lá de cima se soltam com a brisa parca a chover bem delicadamente um vasto tapete amarelo ao pé de suas raízes, onde elegantes beija-flores pairam com malabaristas para sugar o último néctar da vida floral que decai tão rapidamente ao solo.

São muitos amarelos que tocam o céu por aqui, e parece que a Sibipiruna (Caesalpinia pluviosa) é a variedade que mais se vê dentre outras que não consigo identificar lá no alto.

Vez ou outra um "Jacarandá Mimoso" e imponente contrasta o cenário e distribui suas delicadas rendas florais lilazes, como se nos avisasse que os tons das primaveras também podem se tingir de nuanças dum roxo quaresmeiro a nos conscientizar dos cantos com toques invernais da cidade às vezes só "travestida" de primavera....

É preciso escutar o reclame das flores...

As patas- de- vacas, árvores florais que já se vão dum inverno quente e seco, sedentas despencam em queda livre suas folhas enferrujadas que cobrem o asfalto rachado de sol a nos delatar que falta equilibrio ecológico na cidade grande.

Parecem doentes condenados à morte súbita...

Todavia , a primavera é sempre a estação pós inverno, e a natureza sabe e nos ensina que no reciclar das estações está a erudita poética de se reciclar o milagre da vida.

Contudo, sinto que algo mudou na dinâmica dos passarinhos e por um momento analógico me lembrei da fatídica " primavera árabe", em que o cenário dos seres apenas parecia só flores...

Pássaros vários que dormem nos galhos frescos para normalmente cantarem suas flores já na madrugada tardia, aqui aceleram o relógio biológico do seu grito primaveril e parecem insones pelo tempo...

Sinto que os Sabiás estão "stressados" e bem mais cedo se esguelam nas janelas como se intuíssem o ataque à biodiversidade tão castigada por aqui.

Não podia ser diferente.

Na minha cidade, a exemplo, a epidemia de arranha-céus disputa as alturas com as Sibipirunas e afins; uma cidade versada como "de concreto", longe da Sampa dos versos de sempre, onde máquinas de terra planagem expulsam os passarinhos do seu habitat e os jogam ao léu dum destino triste exatamente como, num rito paradoxal, pessoas sem abrigo e pelas calçadas são desalojadas do seu direito à vida.

E é assim que a primavera brasileira nos chega à minha cidade, uma megalópole cosmopolita, sempre a espera para novamente se vestir no milagre de novas flores rumo às quentes cores dum verão cada vez mais estufado.

Então, em homenagem à festa "verde-amarela" das ruas, resolvi escrever, quase numa prosa poética, o meu intuito de parafrasear a mesma poesia que já foi cantada nos versos da nossa História:

" ...aqui lhe escrevo primavera, só para não dizerem que não chorei pelas flores".