HERÓI DAS PANELAS

Tio Frederico era sargento da Brigada Militar, sargento por conta de ter ido lutar na segunda guerra, isto lhe contara pontos para promoção, pois de resto era analfabeto.

Nos verões dos anos sessenta passávamos 15 dias entre a casa dele a de vovó.

Nos finais de manhã ele sentava à sombra uma laranjeira para matear e assim recebia amigos e familiares, era um mate sem acompanhamentos, exceto o palheiro.

Entre uma e outra conversa ele contava passagens que teve na guerra. Recrutado em Santana do Livramento deixou o trabalho no pedaço de terra que tinham por lá. Recebeu algum treinamento e seguiu de trem para o Rio de Janeiro, onde embarcaram num navio tendo com destino

a Itália. Segundo ele, os treinamentos eram intensos e diários. O que mais atormentava-o era rastejar sob o fogo das metralhadoras. O pelotão passava rastejando e duas ou três metralhadoras cuspiam balas distando pouco mais de meio metro acima das cabeças. Como ele tinha acessos de choro foi mandado à cozinha, onde trabalhava sem parar, cozinheiro, lavador de panelas, copeiro e faxineiro, mas não via isto como castigo nem covardia de sua parte.

As vezes o ruído das balas de canhões aproximavam-se e todos entrincheiravam-se, mas as panelas sobreviveram.

Passados seis meses a guerra acabou.

Sobre a volta ele contava que todos festejaram durante os dias confinados no navio, falava dos heróis, que vieram juntos.

Na realidade todos foram heróis, pois sem as panelas não haveria combatentes fortes e portanto sem heróis.

Mais tarde entendi que as rajadas de metralhadora não eram para ensurdecê-los, nem amedrontá-los mas para identificar quem poderia não suportar a pressão do fogo sobre as cabeças, então o melhor era que cuidassem do fogo sob as panelas.

Sempre quando vejo situações que precisam medidas de choque eu lembro das metralhadoras do tio Frederico. As rajadas não precisam acertar e muito menos matar fisicamente, mas precisam ser incessantes.

Nas guerras que travamos contra determinadas doenças as rajadas de comprimidos, de gotas, de injeções dificilmente são em dose única, sendo de frequência ajustada em períodos de horas, dias e as vezes meses, pois somente assim o inimigo invisível perecerá.

Nas guerras contra os criminosos, principalmente os infiltrados entre moradores comuns e inocentes, na maioria miseráveis a tática deve ser a das rajadas e a técnica de passagem um após o outro, de olhares espectantes, sempre em numero absurdamente superior, com cara de mau para os que merecem, aliás quase todos conhecidos, entre a passagem de dois ou três, um com uma bola convidando os pequeninos para 2 ou 3 minutos de bate bola, mais adiante outro com um saquinho de bolachas. Mais um pouco três cavaleiros, toc, toc.

Nem bem abafado o barulho dos passos e cavalgadas uma motocicleta, um veículo, assim um dia, dois dias, três dias, sempre trocando os caminhantes e cavaleiros para evitar a rotina e contatos promíscuos. Seis ou mais vezes diárias de feedback.

Pelos menos ao final de trinta dias as rajadas terão identificado os criminosos, pois duvido que eles resistam tanto tempo no exílio dentro suas próprias tocas.

ItamarCastro
Enviado por ItamarCastro em 28/09/2015
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