Se O Tempo Voltasse

Não consigo deixar de sentir arrependimentos, aquela história da flecha lançada, da palavra pronunciada e da oportunidade perdida, o que não volta. Todos gostariam de contar com a ajuda da tecnologia e dispor de uma máquina do tempo, um dispositivo qualquer que ao ser acionado, permitisse o regresso ao momento crucial em que fizemos ou deixamos de fazer. Nossa passagem é tão rápida, igualmente rápidas são as decisões a serem tomadas, muitas, no calor de uma emoção, sob pressões externas, inebriados de amor ou tomados pelo ódio, ingredientes que nem sempre se revelam bons conselheiros. Se a máquina do tempo existisse, o Francisco teria sido um pai presente para os seus filhos, deixaria de lado o orgulho, diria mais "Eu Te Amo", seria presença constante e não visita passageira. A Maria, um pouco mais egoísta, no melhor sentido, deixaria de viver em função de um amor fadado ao fracasso, abandonaria o papel de mártir, jogaria fora a capa de Mulher Maravilha e correria para o que mais desejasse, mesmo que esse desejo fosse sair por aí, sem destino, sem data pra voltar. A Ana teria um filho antes dos 35, perderia o medo de estragar o belo corpo, esculpido em horas de academia e tratamentos estéticos, ganharia estrias e celulites mil se pudesse sentir todas as emoções de uma gestação. Agora tenta, a seu favor, a medicina, cada vez mais empenhada em prolongar o nosso tempo de vida útil e as nossas funções naturais, uma luta desgastante. O Breno, sequer entraria no armário que o fez perder valiosos momentos, teria se declarado ao Pedro, que por sua vez confessaria que sempre o amou sutilmente, com cuidado, esse amor teria se concretizado antes dos casamentos de faixada, dos encontros às escondidas, das famílias construídas como forma de despiste e o horror da descoberta casual e traumática. A Vanessa teria ouvido os conselhos repetitivos da sua mãe sobre bebida e direção, combinação fatal, não a levou, mas a fez tirar a vida de outra filha igualmente amada, sóbria e na mão correta, vítima da irresponsabilidade alheia. O Carlos realizaria com frequência, exames de rotina, detectaria em estágio inicial, um câncer no fígado, ainda tratável, não teria agora todo o corpo tomado pela doença, a sensação de tempo perdido e de pouco tempo. Todo tempo é perdido quando não há certeza do que estamos fazendo, pensar um pouco antes da ofensa gratuita, do tapa desferido, do comentário maldoso e do desdém aos conselhos pode acrescentar-nos alguns anos, ou livrar-nos de arrependimentos e culpas desnecessárias. Com a máquina do tempo seria mais fácil. Bom mesmo seria não precisar dela, não ter o que concertar, mas aí teriam que inventar outra geringonça, a máquina da perfeição.