O Trem

Trem

Também fui criança. Embora o espelho do tempo insista em dizer o contrário. E quando se é criança, o tempo não se mede pelos ponteiros dos relógios. Quando se é criança, o relógio vale apenas para enfeitar os braços, cobrir a nudez das paredes, ostentar ouro ou prata. Quando se é criança, o tempo é medido pela sirene da fábrica, pelas campainhas das escolas e, principalmente, pelo apito do trem!

O trem marcou meu tempo. Muito mais, demarcou meu tempo. Aprendi a amar o trem pelas mãos trêmulas de meu avô. O trem guardou a última imagem de meu avô. Uma imagem marcada pelo apito, pelo aceno na curva da linha, pelo desaparecer do último vagão. O trem levou de mim meu avô e minha avó. Não fui mais à estação ver o trem partir ou chegar. Desde então, o trem, para mim, é uma saudade, é um apito na curva da vida, é ausência de abraço de avô, de leite com café, de pão com manteiga servido na mesa da avó. O trem levou embora meus avôs, desaprendi a pedir as bênçãos! Hoje ouvi Caetano Veloso cantando "Trem das Cores". O trem voltou apitar esta saudade na linha das minhas memórias. A bênção vô, a bênção vó.

MAReis
Enviado por MAReis em 24/09/2015
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