O QUE VOCÊ VAI SER QUANDO CRESCER?
Dias atrás, observando meu filho, senti vontade de lhe fazer uma pergunta ao percebê-lo perdido num jogo de computador, mas que acabei abortando, para não provocar nele a mesma sensação estranha que tive tempos atrás, quando uma pessoa que não recordo o rosto, mas não esqueço da voz, me perguntou de chofre: o quê você vai ser quando crescer? No alto dos meus dez anos de então, respondi sem pestanejar que seria astronauta. O tempo, esse malvado, foi passando e logo descobri que tinha medo de altura, fazendo com que o astronauta morresse numa nave que se perdeu no espaço. A pergunta continuou latejando em minha cabeça. Quando encontrei um pássaro ferido e dele cuidei até que conseguisse novamente voar, imaginei que poderia ser um ótimo veterinário. Mas numa viagem a um sitio, assisti pálido e sem reação, o nascimento de uma novilha. Naquela mesma manhã, o bom veterinário que eu poderia vir a ser, partiu numa estrada de chão, aos poucos se perdendo mata adentro, seguido por diversos pássaros das asas quebradas, feitos bêbados em fim de noite. Pensei então que poderia ser médico, mas tão logo me dei de frente com alguém sangrando, descobri que jamais poderia socorrê-lo e fui sepultando o médico, que sumiu sem se despedir, dando lugar ao advogado. Não tardou para que eu me convencesse que não daria certo; não suporto ternos, sapatos apertados e gravatas, além do mais importante: sou daqueles que acredita fácil nas pessoas, seria um advogado anticético, preenchendo o mundo de inocentes, ainda que culpados fossem. Tão logo me apeguei ao raciocínio lógico, fiz com que o advogado viajasse para lugar distante e desconhecido do qual nunca mais retornou. Depois, não sei o que me deu, permiti que um relâmpago insano me levasse a crer que eu poderia ser engenheiro, que, coitado, acabou caindo da ponte que ergueu e era fraca, porque sempre foi ruim de cálculo e nunca mais foi visto, levado pela enxurrada. O tempo prosseguiu com suas pernas largas, enquanto eu continuava sonhando, sem me decidir o que seria ao crescer. Outros destinos escaparam sem que eu me queixasse, por exemplo, nunca quis ser dentista, porque o barulho daquele motor me incomodou bastante na primeira vez que enfrentei uma obturação, mesmo incômodo causado pelo giz deslizando no quadro negro, que apagou a ideia de me transformar num professor. Já desejei ser motorista de caminhão, garçom, cantor de boate. Hoje sou publicitário, sem, no entanto, por destino ou fraqueza, desempenhar as funções para as quais estudei. Restou o murmúrio de dúvidas que faço a mim mesmo, nos momentos que me vejo sozinho e revejo o menino acanhado que fui e que não tinha respostas para nada. Sinto alívio ao perceber que sou feito de sonhos, e sonhos não são concretos, possuem asas de delírios, desses que só alguns conseguem enxergar, me trazendo a doce sensação de certeza; até hoje não sei o que vou ser quando crescer.