a cidade de luzes cegas

A cidade mudou de novo. O sentimento se transformou, o café esfriou e a noite foi mais longa do que o normal: finais geralmente são assim, sem despedidas, apenas o ponto final trôpego por entre os silêncios, bêbado e equilibrista dos cascos, do caos e do cais.

Porém, se fosse possível construir uma última memória, dos encontros e desencontros, como seria?

Afinal, aquela cidade estava impregnada de nós.

Com esse pensamento a busquei em casa, depois de resistência e resiliência, pesando os pesares.

entreguei o biscoito de canela que ela adorava, junto a alguns chocolates. Com uma camisa improvisei uma venda e a passei por sobre seus olhos.

saímos então pela cidade. Parei em frente ao lugar em que saímos pela primeira vez, onde foi tirada nossa primeira foto. Depois passamos diante da sorveteira em que nos encontramos no meio da primeira semana, "perto da farmácia" que, em verdade, foi a quarta da mesma avenida em que parei pedindo informações.

rimos e fomos ao lugar em que houve o lançamento de livros de um autor que eu não conhecia, mas a convidei para impressionar, mesmo assim. E com o dinheiro de estagiário que quase não tinha, comprei dois livros que não gostei, por coação momentânea.

no carro tocavam músicas que fizeram sentir e sentido durante aquele período, até culminar no canto em que a pedi em namoro e que, nos anos seguintes, retornamos, já tão diferentes, mas como reafirmação sincera do significado do lugar - o que, na realidade, era a tônica também daquela noite. Nos abraçamos, sorrimos e choramos. e entendemos que havia acabado, mas aquele momento de crescimento conjunto ainda se manteria na formação de nossas identidades, de quem somos, fortes ou fracos, distantes.

Porque, quando se ama, a cidade toda se ressignifica.