A senhora presidenta
Quando Dona Dilma foi ao Jô Soares há alguns anos, o apresentador se encantou com a inteligência e desenvoltura daquela que, à época, era ministra da Casa Civil do presidente Lula. A entrevista, como quase tudo que se veicula hoje em dia, está disponível no Youtube.
Realmente, ali se apresentava uma mulher fluente e cheia de vida, emprestando os melhores anos de sua vida ao Brasil. Jô se encantou, Lula já se encantara e a fez, com o prestígio de sua indicação, presidenta da República.
Antes, Dona Dilma adoeceu; lutou contra o câncer, curou-se e foi à luta. Antes, muito antes, ainda jovem, presa pela ditadura militar, chegou a ser torturada. Sim, dona Dilma, aliada à inteligência, reunia os requisitos para governar o Brasil. E era emblemático que um país rico e cheio de pobres tivesse no seu comando uma mulher – forte e inteligente, que continuaria a política social do seu antecessor.
Governou por quatro anos e voltou para mais quatro. Até onde observo aqui nas minhas paragens, houve avanços nos governos de Lula e Dilma. Mais gente tem carros, mais gente tem motos, mais gente viaja, mais gente estuda, menos gente paga aluguel. A nossa universidade por aqui virou um canteiro de obras e o Instituto Federal tornou-se uma realidade: contratou gente e oferece cursos superiores e até pós-graduação... Uma maravilha! Moro em região humilde e vi muitos filhos de pessoas humildes cursarem a faculdade gratuitamente, graças aos programas do governo. Justiça social!
Em seu segundo mandato, Dona Dilma vive talvez a maior oposição que um governante já tenha enfrentado na história de nossa República. As razões todos sabem. O partido pelo qual ela se elegeu enfrenta problemas sérios na justiça, as contas da campanha estão sob suspeita e a contabilidade do Governo será avaliada pelo Tribunal de Contas. O cenário ainda é pior porque a base congressual de Dilma costuma se voltar contra ela. Uma confusão!
Figuras de proa na República vão à mídia e pedem seu impeachment ou sua renúncia. Segmentos raivosos incitam a sociedade a se rebelar e fazer coro à marcha pelo impedimento.
Tudo que aqui se disse, evidentemente, salta às vistas dos brasileiros. É só acompanhar o noticiário e assistir às tevês Câmara e Senado, onde governistas eloquentes tentam minimizar os a cada dia mais acalorados discursos contra a presidenta.
Viram que, pela terceira vez, escrevi presidenta? Quando Dilma foi eleita, levantou-se essa discussão. Se era certo, se era errado dizer presidenta. Discussão linguística à parte, o que ela queria mesmo era, com o feminino de pouco uso, marcar a presença de uma mulher na presidência, como se fosse uma homenagem às mulheres, o que se materializava na marca explícita do nosso feminino. Hoje, observo que esse azinho tem um viés ideológico. Vejo-o usado preferencialmente por quem apoia a presidenta ou torce por ela.
Disse apoia ou torce e insisti no presidenta. Somo-me aos que torcem por ela. E ela tem cacife para merecer que torçamos, ainda que não apoiemos integralmente o que emana do Planalto.
Sempre achei o governo das esquerdas no Brasil meio cor-de-rosa; e era, talvez, o máximo de colorido que se podia dar a políticas pró-povo. Afinal, temos no DNA a casa-grande, a profunda divisão de classes e a consequente injusta distribuição da renda.
No meio de tudo isso, Dilma Roussef teria errado. Justamente ela e o Lula, que não poderiam errar, embora tenham acertado muito. E fico com o “acertado muito” para dizer que somo fileiras com os que não subscrevem pedidos de ruptura da ordem instituída.
Se me vierem com lista de assinaturas contra a ordem instituída, dou meia-volta e procuro outra lista. A lista dos que torcem – até aconselham e dão opiniões, e manifestam mesmo desagrado, mas respeitam a ordem vigente. Além disso, a minha lógica é simples: o mesmo Governo que escolhera um caminho amenizador das agruras dos menos favorecidos haverá de voltar à mesma rota em uma situação econômica mais favorável. Por isso, talvez, a todo momento, o Governo devesse reforçar esse compromisso.
Dilma, lá no Planalto, a julgar pelo que vejo daqui, mantém-se tranquila. Não passa o mínimo sinal de grande preocupação, de apego ao poder pelo poder. Seu rosto é o da mulher serena e firme, no tsunami da grita raivosa. Sai normalmente pelas manhãs, pedala e até assiste, com populares, a um ciclista acidentado que recebe socorros. E ainda faz selfies com admiradores...
Precisa e precisou negociar cargos e ministérios, como é –infelizmente – a prática costumeira. Pede algo para si? Há indícios de que não seja honrada? É mulher, tem filha, neto, ex-marido. Há indícios de que interfira por eles valendo-se da presidência da República?Nunca vi, nunca li imputação nesse sentido. Seu perfil, como um todo, estampa serenidade e paz, pois ela vê nos percalços algo inerente ao mister. Para quem já foi torturada, a agrura é pequena...
Por isso, com meus respeitos , ela continua a ser minha presidenta até o último dia do mandato para o qual foi eleita. A hipótese contrária seria um retrocesso a ser julgado pelo olhar da história.