A VELHA CASA
A VELHA CASA
E eis-me aqui, intronizado em velho sacrário de meus sonhos mais puros, hoje apenas escaninho de tantas e tão belas lembranças. Debruçado no parapeito da velha janela pendurada no tempo, por onde um dia espionei o mundo e, o achei tão pequeno, que resolvi dar um pulo lá fora e tentar medir-lhe as minguadas dimensões. E, agora, aqui de volta, tentando adocicar as lembranças, que sinto tão perto e tão amargas, mas tão distante no tempo. Em vão procuro escutar o canto do rouxinol lá ao fundo junto ao rio, mas apenas soa nos meus ouvidos, o barulho deste qual melopéia sonolenta que cai pelas pedras da represa, subtraído em parte da água que segue ao lado por uma levada, que irá matar a sede às courelas circundantes, que irá transformar num oásis de verde luxuriante coroando o árduo trabalho de mãos calejadas, água que em outros tempos também servia para fazer girar o moinho, ou azenha como queiram chamar-lhe, hoje sufocado pelas silvas e pelo descaso das pessoas contribuindo para sua total ruina.
O luar exuberante afoga a minha pequena aldeia em luz prateada, destacando ainda mais a silhueta da velha casa que foi de meus pais, de meus avós, e de outros meus ancestrais, cuja idade nunca ninguém me soube explicar, e cujo segredo há-de morrer com o tempo com certeza.
Mas a luz feérica da lua não conseguia apagar as imagens carregadas, que as recordações traziam para dentro daquele recinto, e que freneticamente se iam avivavando na minha mente como se brotassem daquelas paredes, onde outrora se avolumavam velhos tratados de filosofia e de teologia, em português arcaico, e latim, e o tratado de uma História Universal, tão inverossímel quanto aquelas visões que iam rodando em minha cabeça, qual história de Fhénix, teimando renascer das cinzas daqueles livros que uma insana fogueira tempos passados havia destruído.
Quantas histórias para contar se aquelas paredes falassem! Lembro de uma, que por ser menos velha e vivenciada por mim, ainda que pequeno: Meu padrinho que também era Eduardo foi acometido de mal súbito, com grandes golfadas de sangue pela boca, que parecia se esvairia irremediavelmente. Todos exteriorizavam seus temores, pensando que daquela ele não escaparia. A seu pedido foi chamado o padre para lhe administrar a extra-unção junto com o seu casamento ali em seu leito que se pensava fosse de morte. Poderia assim partir de alma mais leve, deixando materializado naquele gesto, a prova do seu amor para com a sua amada Maria do Carmo, a sua Carma. Felizmente, tudo não passou de um grande susto, e pouco tempo depois, tudo tinha voltado ao normal. E, assim foi escritao no livro da vida, mais uma bela história de amor, muito diferente de outras histórias, quando a vida real mais uma vez superou a ficção.
A brisa leve e aveludada da noite, estava impregnada do cheiro que vinha da imensa floresta que circunda o lugar, o que servia como um linitivo para minha alma. A rua que lhe passa em frente, outrora cheia de vida, também agora estava solitária e, porque a vida por ali quase mais não passa, se tivesse que lhe dar um nome, seria o de rua da solidão. Só o vento se fica por ali a prelibar os estragos, que ele e o tempo vão semeando nas noites de insônia e insânia...
E se a minha velha casa falasse, como uma mãe ela me diria com certeza: filho que bom que vieste, pena que a desoras; vês filho, todos já se foram, só tu ficaste. - Eu sei, é muito triste. Se quiseres desabafar, chora, filho chora...
Eduardo de Almeida Farias