Lembranças de Santa Maria, Rio Grande do Sul.

Lembranças de Santa Maria, Rio Grande do Sul.

Meu pai era oficial do Exército e, quando eu tinha uns quatro anos, fomos morar em Santa Maria, Rio Grande do Sul. Toda a família do meu pai morava na cidade e, embora faça muito tempo, lembro de alguns fatos que marcaram essa época de minha vida. Moravámos em uma casa com quintal e, aos fundos havia um grande terreno baldio. Meu avô tinha cavalos e colocou um deles para pastar nesse terreno. Para crianças, era uma atração anorme. Eu e meu irmão passavámos o dia mexendo com o animal, que era extremamente dócil e parecia ter uma paciência interminável conosco. Certo dia, andávamos a cavalo, meu irmão nas rédes e eu, menor, na garupa. Ao passar por um varal de arame, me irmão abaixou-se e eu fiquei enganchado pelo pescoço e fui ao chão.

Churrasco era uma exclusividade gaúcha, em outros estados pouca gente conhecia. Ficamos fãs dessas iguarias. Carnes assadas em fogo de chão, somente com sal, acompanhadas de farofa, arroz e salada maionese somente com batatas. A maionese era feita com gemas e azeite, não havia vidros desse produto. A família, bastante numerosa, fazia grandes reuniões e a gaúchada comia churrasco nas tardes de domingo, sempre na casa de meu avô Francisco e da dona Aidê, madrasta de meu pai. Para nós, vó Aidê. Em dias de chuva, fazia-se “churrasco de forno”.

Santa Maria é, até hoje, uma bela cidade. Grande entroncamento ferroviário, nas regiões próximas das linhas férreas sentia-se o cheiro do carvão mineral queimado pelas locomotivas, lembrava movimento, o que me agradava muito. Em uma padaria próxima à casa do meu tio Torquato, casado com tia Erotildes, irmã do meu pai, havia um delicioso pão sovado, que eu não queria parar de comer. Havia também um refrigerante de laranja chamado Cirilinha, uma delícia. Muitos anos depois, soube que sua fabricação havia sido encerrada devido os herdeiros desconhecerem a fórmula que seu pai havia criado.

Meu avô era uma grande figura. Contava que certa vez comprou um bilhete completo da loteria federal e ganhou o primeiro premio. Montou uma loja de sapatos, comprou um caminhão e foi à Novo Hamburgo (cidade que concentra várias fábricas de sapatos) e adquiriu uma carga de sapatos para abastecer a loja. Carregou o caminhão e pegou a estrada de volta à Santa Maria. Naquela época, as estradas eram, em sua maioria, de terra e os rios eram atravessados com o auxílio de balsas bem rústicas, operadas por um balseiro que normalmente moravam ao lado do ponto de travessia. Meu avó chamou o balseiro, que posicionou a balsa no ponto de embarque. Quando o caminhão carregado de sapatos tocou a balsa, empurrou-a rio adentro e o caminhão submergiu. Meu avó conseguiu sair pela janela e ficou observando aquela enorme quantidade de caixas de sapatos descer rio abaixo e, pouco a pouco ir sumindo nas águas do rio. Ao contar essa passagem ele me disse, com seu sotaque gaúcho: “-Era até bonito de se ver. As caixinhas iam descendo no rio e, de repente afundavam nas águas.” Voltou a Santa Maria de mãos vazias.

Paulo Miorim
Enviado por Paulo Miorim em 21/09/2015
Reeditado em 22/11/2020
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