Saudosista? Não

                 A saudade é a memória do coração
                                              Coelho Neto



          1. Gosto de falar de saudade. É um dos meus papos prediletos. Mas com o renovado cuidado de não confundir saudade com saudosismo.           Embora, diga-se de logo, pelos saudosistas, tenha um indisfarçável respeito e um carinho fraterno. Nunca os condenei; nunca os reprovei; nunca os desprezei; nunca os critiquei.
          2. Sinto saudades, mas não sou um saudosista. Para o saudosista (e este não é o meu caso), "o passado é sempre melhor que o presente", como bem disse o jornalista e escritor Ruy Castro, em sua crônica Saudade das fraldas, publicada recentemente na Folha de São Paulo, respondendo àqueles que o chamam de saudosista.
          3. Tudo porque, de sua maravilhosa pena saíram os livros Carmem, O Anjo Pornográfico e Estrela Solitária  contando a vida da Pequena Notável, do Nelson Rodrigues e do Mané Garrincha, respectivamente.
          E mais outros: Chega de Saudade, a Onda que se ergueu no mar e Saudades do Século 20 este falando de Fred Astaire, Doris Day, Alfred Hitchcock, Glenn Miller e do tumultuado amor envolvendo Frank Sinatra e Ava Gardner.
          "Frank e Ava se amavam, brigavam e se reconciliavam em hotéis, boates, restaurantes e aeroportos de costa a costa, entre dois continentes e, às vezes, até em pleno voo", lembra Ruy Castro, em Saudades do Século 20, que não tem absolutamente nada de saudosismo; só faz a gente sentir saudades...
          4. Há algum tempo, não faz muito, li três livros do escritor Alberto Villas - Admirável Mundo Velho, Onde foi parar nosso tempo? e O Mundo Acabou. Eles relembram coisas que fazem a gente morrer de saudade.
          5.  Por exemplo, o filtro de barro, a pasta Kolynos com clorofila, o pó compacto Cachemere Bouquet, o disco vinil, os maiôs Catalina, as pílulas de vida do Dr. Ross, o papel-carbono, o quintal, a piteira, um remédio chamado Enteroviofórmio, e o luto. 
          6. O Enteroviofórmio! Era o remédio que minha dava aos seus filhos (oito) quando a dor de barriga atacava. O Cachemere Bouquet! O pó que minhas irmãs usavam, para ficarem mais cheirosas, depois do refrescante banho das tardes quentes do sertão cearense.  
     A minha piteira! que não permitiu que o alcatrão do meu Continental sem filtro invadisse meus pulmões, nos 30 anos de fumante inveterado.
          7. O luto. Por incrível que possa parecer, lendo o texto do Villas, senti saudades do luto.           Naqueles tempos, o sentimento pela morte do parente era publicamente atestado pelo luto fechado; ou pelo luto aliviado.
          O tempo da duração do luto era determinado pelo grau de parentesco do falecido. As viúvas, por exemplo, chegavam a botar luto fechado pelo resto da vida. Só um novo amor era capaz de afastar o vestido preto da viuvez!!!
          8. Agradeço a Deus por me ter dado a capacidade de sentir saudades. Ainda que possa me acontecer o que Manuel Bandeira diz nestes versos: "As saudades não me consolam,/ Antes ferem-me como dardos."
          9. Fico com Ruy Castro, que, na sua crônica -  recortei e guardei -, afirma de forma incisiva: "O passado existe e deve ser visitado, até para que aprendamos a não repetir suas besteiras no presente." Não tenhamos, pois, acanhamento de cultivar e confessar nossas saudades...
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 20/09/2015
Reeditado em 14/11/2019
Código do texto: T5388542
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