Bolo de domingo
Domingo é dia de bolo! Sempre foi dia de bolo! Em minha infância nos anos 60, pão era coisa de poucos. Manteiga era só mesmo aquela que minha mãe batia com a nata que era retirada todo dia do leite. Não tínhamos geladeira, portanto a manteiga sempre ficava com aquele gostinho de ranço e eu não gostava. Durante a semana, no café da manhã geralmente eram quitandas ou então aquele tal de Cubu. Ah, mas no domingo não, domingo mãe servia bolo. Sábado ela poderia estar cheia de serviço, mas sempre arrumava um tempinho para fazer o bolo. Eu gostava muito do seu caderno de receitas e lá eu me encantava com Bolo Campineiro, Bolo Mármore e bolo Majestoso. Cada sábado a gente escolhia uma receita diferente.
Meu pai era vendeiro e aos sábados a venda enchia. Eram os fregueses que vinham da roça fazer o ‘fornecimento’ e as portas ficavam abertas até as 22h00min. O movimento era grande e mãe ajudava no balcão. Todos nós já sabíamos que o bolo era para o café de domingo, mas meu irmão mais velho, “sujeito insuburdinado”, como meu pai o chamava, chegava à porta da venda, repleta de gente e perguntava bem alto:
_Mãe, onde é que a senhora escondeu o bolo?
Ela sorria, assim entre dentes, mostrando uma meiguice que não existia ali e respondia:
_Ô meu filho, está lá dentro do guarda-comida.
Ele ia, voltava e perguntava ainda mais alto:
_Mãe, onde é que a senhora escondeu a chave do guarda-comida?
Ai não tinha escapatória. Ela pedia licença ao freguês, alegando que ia dar o bolo pra ele e assim que cruzava a porta, juntava-lhe as orelhas.
_Deixa de ser engraçadinho, pois você sabe muito bem que o bolo é pra amanhã de manhã.
Hoje, todo dia é dia de bolo, mas nenhum tem o sabor daquele bolo de domingo!