DÉJÀ VU
Mais uma vez os justos pagam pelos pecadores. Os corruptos fizeram a festa enquanto os governantes dormiam em berço esplêndido e, agora, no momento em que a economia do país atinge o volume morto, os heróis de sempre são convocados para salvar a pátria. Eu, você, o trabalhador honesto, enfim. Mais uma vez a exortação “verás que um filho teu não foge à luta” é lembrada na época das vacas magras. Velhos fantasmas ressurgem das sombras, com a surrada promessa de que serão provisórios. Aí, o provisório adquire estabilidade e não quer mais sair de cena. É um filme antigo com figurino repaginado. Non nova sed nove.
Em outras palavras, é a velha fórmula imortalizada por Lampedusa no livro “O Leopardo”: vamos mudar tudo para que tudo fique do mesmo jeito. Nesse embalo, só falta alguma cabeça coroada de Brasília ressuscitar a campanha “Ouro para o bem do Brasil” e sair recolhendo nossas joias, depois de limpar nossos bolsos. Remédio amargo, dizem. Até o clichê traz o ranço de outros governos desgovernados. Remédio receitado por quem, normalmente, não faz uso dele. Receitado por quem só espera tapar o sol com a peneira até o ocaso de seu mandato. Mas eu, que sou um cidadão teimoso, que também não desiste do Brasil, posso dar um voto de confiança à nossa presidente, com uma simples condição, inspirada na campanha da Ordem dos Advogados intitulada “90 Dias Contra a Corrupção.”
É o seguinte: com o mesmo empenho com que pede a nossa colaboração para engolir o tal remédio amargo, a presidente faz um apelo em todos os meios de comunicação conclamando um mês de trégua aos corruptos e corruptores espalhados por todos os rincões deste país. Pode até refazer um conhecido bordão: “corruptos de todo o Brasil, uni-vos.” Ela tem autoridade para tanto. E isso não significa conivência com os saqueadores. É apenas uma trégua, uma pausa, não uma rendição ao crime. Governantes menores já obtiveram esse “favor” até de traficantes, sem o menor pejo.
Um mês por ano basta. Um doze avos. Uma espécie de décimo terceiro ao contrário. Não vai salvar a nação, mas vai reduzir um pouco a vazão do propinoduto e, com isso, reter alguns bilhões de reais nos cofres públicos, tomando-se por base os números escancarados nas últimas investigações. Mesmo antes do petrolão, segundo a FIESP, a sangria já alcançava quase 70 bilhões de reais por ano (ou 6 bilhões por mês). Não é um simples pixuleco. Por isso, a ideia motriz é que, na hora do sacrifício, o corrupto – cuja “atividade” também impacta o PIB na órbita de 2,3% - tem de colaborar como qualquer cidadão brasileiro. Um por todos, todos por um. Aliás, pelo código tributário (art. 118), até a atividade ilícita pode gerar tributo. Para o Estado o dinheiro não tem cheiro. Tanto assim, que já se fala no retorno dos bingos e cassinos.
Sim, eu sei. Se ficar com as mãos limpas durante 30 dias esse pessoal pode ter depressão. Sentir calafrios. Síndrome de abstinência, sem a costumeira dose do estimulante. Nesse caso, o recurso é a internação numa clínica ou um tratamento psicológico (vai passar...vai passar...). Só não vale roubar em dobro depois, para compensar o período de abstenção. Mas tudo isso há de ficar bem esclarecido no pronunciamento presidencial.
Esta é a minha proposta. Realista. Apartidária. Enquanto a estuda, pensando nas próximas gerações e não nas próximas eleições, a presidente poderia reler Maquiavel: “Quem se torna príncipe mediante o favor do povo, deve manter-se seu amigo, o que é muito fácil, uma vez que este deseja apenas não ser oprimido.”
Tenho dito!