Aves migratórias

Ele saiu cabisbaixo do trabalho. Muito serviço. Muita pressão. Pouco tesão.

Entrou num bar fuleiro, daqueles que dão nojo, e bebeu um guaraná.

Cinco horas. Rua suja. Casas e prédios caindo aos pedaços. Poeira preta para todo lado. Ô cidade feia, meu Deus. Ele esperava o ônibus. No chão, tufos de grama brotavam das rachaduras no cimento. Estou exausto, não dá mais, ele pensava. Uma gota de suor escorreu pela sua testa até o nariz e pingou. Um homem de muletas cheirando a mijo ao seu lado peidou.

Chegou o ônibus. Lotado. De repente ele pôs a mão no peito. Seu coração estava engasgando. Precisava consultar um médico, ele sabia, mas sempre arranjava uma desculpa para não ir. Isso deve ser da angústia, dessa vontade de morrer que eu tenho, pensava.

Deixou o ônibus seguir. Saiu andando, a passos lentos, pela calçada, olhando para o chão. Estava triste. Não queria ir para casa, fazer as mesmas coisas, do mesmo jeito, até o sono vir (se viesse), e no outro dia ter que se levantar, tomar café, escovar os dentes, vestir-se e ir trabalhar. De novo. De novo. Não queria mais isso. Chega, gritou. Um homem que passava ao seu lado olhou-o assustado.

Amanhã não vou trabalhar, estou doente, pensou; e chutou uma pedra na calçada, depois um bagaço de laranja. Não vou, repetiu. Mesmo olhando para o chão, pisou numa bosta de cachorro. Foda-se, disse.

Ó, de novo, disse alto, já com a mão no peito. Depois sentiu o pulso. Seu coração batia descompassado, ora acelerava, ora retardava, às vezes engasgava. O descompasso era arritmia, o engasgo, palpitação: ele tinha lido na internet.

Estava parado no meio da calçada. Olhou para o outro lado da rua e viu uma pracinha com três bancos de cimento e duas árvores cobertas de poeira preta. Atravessou e sentou-se.

O que eu vou fazer amanhã?, perguntou-se. Olhou para cima e viu várias andorinhas pousadas nos fios da rede elétrica (ou seria de telefone?), e lá no alto, cortando o céu ainda azul, uma asa-delta. Que coragem, ele pensou. E ficou admirando aquele voo silencioso e suave, e as andorinhas tranquilas, assistindo ao pôr do sol, prontas para partir. São criaturinhas tão livres, as andorinhas, disse para si. E sorriu.

Uma vez ele tinha lido numa revista que todos os anos, no outono, milhares de andorinhas azuis migravam do Canadá e dos Estados Unidos para o hemisfério sul, muitas chegando até o interior de São Paulo. Tinha ficado admirado.

De repente ele se levantou e foi embora, tomado por uma alegria que há muito tempo não sentia. Caminhava olhando para cima, para os fios, para o céu, procurando mais andorinhas, mais asas-deltas...

Ele tinha decidido migrar.

Flávio Marcus da Silva
Enviado por Flávio Marcus da Silva em 17/09/2015
Código do texto: T5385676
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