Uma Vida Inventada

Havia uma escuridão interna que o impedia até mesmo de se enxergar. É o que acontece quando coloca-se em segundo plano. Desde muito cedo, percebeu que uma palavrinha mágica tinha o poder de transformar aborrecimentos em felicidade, abrir sorrisos e modificar o tom sombrio de um dia, pena ter entendido de maneira errada a utilizá-la. Dizia SIM pra tudo. Dizia sim até quando achava não ter dito. E tudo começou, como tudo começa, nos primeiros anos de vida.

_ Você fica lindo de verde, meu bebê, é minha cor favorita!

Mamãe estava feliz.

_ Guitarra? Nem pensar, vai ter aulas de piano, como o seu pai.

Vovó estava feliz.

_ Natação, filho? Já te inscrevi no judô.

Papai estava feliz.

E se todos estavam felizes, por que contrariá-los?

Sua cor favorita era o amarelo, achava piano um saco e preferia um esporte individual como a natação, onde o adversário a superar, seria sempre ele. Eram detalhes, não achou que faria tanto mal ir contra os seus instintos, talvez fossem apenas caprichos e achava que caprichos não deviam ser mais importantes que a felicidade dos que amava. Ainda não entendia que não se consegue deixar nenhum outro feliz, não conhecendo esse sentimento.

Felicidade pra ele era ser um bom menino.

_ Seu filho é aluno mais comportado da classe, senhora.

Até a professora ele fazia feliz.

Sim para o novo corte de cabelo, sugerido pela avó materna.

Sim para a escola chata e com gente esnobe.

Sim para os pedintes no sinal.

Sim para a camisa polo e o estilo formal.

De tanto concordar, assustou-se com o seu primeiro não. E o curioso é que o fez exatamente quando estava prestes a pronunciar o mais genuíno e verdadeiro, sim. Conheceu Guilherme, a mesma idade, vidas opostas. Guilherme era livre, espírito indomável. Parecia desconhecer o sinal de positivo. Dizia não o tempo todo. Não às regras. Não ao convencional. Não ao sim, quando forçado. Ele destoava no meio dos alunos, todos classe média alta, também tinha grana, na verdade da família, mas que um dia seria dele, o que não era uma grande preocupação, tendo em vista que seus prazeres não eram caros. Era feliz, tinha liberdade, logo, tinha o quisesse.

O que acontecia no seu mundo era totalmente novo, havia um encantamento que não parecia exatamente físico, mas também era, no fundo se resumia a uma grande dose de inveja. Inveja do humor, do sarcasmo, da coragem e da popularidade que aquele garoto impetuoso conseguia ter. Era como queria ser, como era, mas ninguém, além dele, sabia.

Boatos davam conta de que a liberdade do garoto Guilherme se estendia à sua vida sexual. Não existiam rótulos ou definições que o impedissem de viver as mais loucas experiências. Chegaram a trocar olhares. Havia algo dentro de si para o qual ele nunca disse nada. Nem sim, nem não. Apenas tentava não pensar. Sabia que se deixasse a questão entrar em sua mente, viveria talvez o maior dilema de todos. Certa vez, num passeio de carro com seus pais, o assunto homossexualidade surgiu, falavam de um parente distante que tinha saído do armário e expressavam imensa vergonha pelo fato.

_ Deus me livre, não quero nem pensar, sorte que não nos falamos a muito tempo, acho que as pessoas nem sabem que somos da mesma família.

_ Ainda bem que educamos direito o nosso filho. É macho que nem o pai, não é, filhão?

Lembrou-se dessa cena quando estava no vestiário, após a aula de educação física. Tinha ficado por último. Ouviu passos, era Guilherme. Estava só de bermuda e rapidamente sem ela. Não disfarçou. Encarou o garoto tímido, de estilo formal e que sem as camisas polo, tinha um corpo bem interessante, fruto da prática do judô. Era gelo e fogo, os dois ao mesmo tempo e um não continha o outro. Guilherme parou em sua frente, cheirava a suor, ele a sabonete. Seu olhar era de quem perguntava se podia ir adiante, esperava apenas uma resposta afirmativa, que não veio, ao menos não foi dita. Os olhares se comunicaram e logo se transformaram no primeiro beijo mais intenso e na sensação mais gostosa que já tinha experimentado, superava as ejaculações noturnas durante os sonhos eróticos.

Não teve medo de ser flagrado, nem pensava nisso, não pensava em nada, o que não durou muito tempo, logo veio a imagem dos seus pais e o tom de repúdio nas suas falas. Seria a morte pra eles se dessa vez, decidisse dizer sim.

Interrompeu o beijo, estava excitado e Guilherme também, sabia que as coisas evoluiriam se não fugisse. Sem explicações, ainda vestindo-se pelo caminho, escapou de si mesmo, negou-se o que tanto queria, quis fazer feliz, esqueceu de ser.

Débora Brun
Enviado por Débora Brun em 17/09/2015
Reeditado em 25/06/2016
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