Morro musical

Como sempre faço, subi o Morro da Conceição e conversei com o cantor e compositor, João do Morro, que foi acusado de homofobia por haver composto a música “Papa frango”, considerada ofensiva à comunidade gay. Na verdade, está se tornando abrangente esse tipo de produção musical de uma cultura de baixo nível, que causa uma perturbação na sociedade brasileira pela forma violenta e ofensiva como é apresentada, demonstrando claramente seu apelo comercial.

O São João se aproxima e, em vez do autêntico forró nordestino, ouvimos músicas de péssima qualidade num possante carro de som na praça do Morro, desqualificando a mulher e embrutecendo o homem. Mas, o pior é que elas (as mulheres) também cantam e dançam ao som de letras que estimula à violência sexual: “ Vou soltar uma bomba no cabaré e vai ser pedaço de puta pra todo lado...”, “dinheiro na mão e calcinha no chão...”. Isso tudo reproduzido pelos meios de comunicação e patrocinado pelo empresariado, num clímax em que se atinge multidões de braços levantados (mulheres rebolam de maneira orgástica).

O Morro pertencia ao bairro de Casa Amarela e alguns leitores que não aceitam a música “Papa frango” e outras, sugeriram para o próprio João do Morro não mudar assim tão de repente o seu estilo. Segundo eles, o ideal seria melodiar e cantar o “Morro”, “Balas perdidas” e “Casa Amarela”. Como algo assim:

Viver morro

Moro no Morro

Não tem quem me faça

Não morar no Morro

Nasci no Morro

Gosto do Morro

Morrerei no Morro...

Balas perdidas

(anos 50)

Cada um desce o Morro

indo trabalhar de manhã

Nada somos que seja considerado

uma pessoa digna de respeito.

Não se pode andar à vontade,

a lei se deve obedecer.

(1970)

Bala perdida,

Polícia ou Favela?

A maioria das vítimas

é gente humilde e trabalhadora.

Só posso dizer que isso

me revolta também.

Devemos no máximo

encontrar um novo caminho

O destino do país depende

da inteligência das autoridades.

Tenho certeza disso, afinal,

lá vamos nós resolver...

Tudo o que for humanamente possível!

Casa AmarelaI

Recife cidade linda

De uma natureza infinda

Do nordeste do meu Brasil

Tens um subúrbio afastado

Por Deus belo abençoado

Com tantas belezas mil:

II

Casa Amarela, ô,

Casa Amarela

Terra das morenas belas

Onde nasceu a minha ilusão

Casa Amarela

Não é por ser onde moro

É o lugar que eu adoro

Com todo o meu coração.

III

Tem na subida da ladeira

Uma santa padroeira

A virgem Santa Isabel

Onde o sambista apaixonado

Faz seu samba ritmado

A saudação a Noel.

Onde o sambista ritmado,/ com seu pinho acompanhado,/ faz sua oração fiel.(de minha autoria anos 60).

Obs. Morro - homenagem aos moradores dos morros do Brasil.

Extraído do livro: “Trem Fantasma”, p. 59 – Edição 2005.

Balas perdidas – Rio de Janeiro, 2007/2009. Idem publicado no Literário em, 30/01/2010.

Casa Amarela - I estrofe de minha autoria, acrescentado anos 60. Outras estrofes eram de domínio público (anos 50), em Casa Amarela p. 112 do livro: “Miscelânea Recife”, ed. 2001.

Vejam e sigam Fiteiro Cultural: Um blog cheio de observações e reminiscências - www.josecalvino.blogspot.com/

José Calvino
Enviado por José Calvino em 16/09/2015
Código do texto: T5384260
Classificação de conteúdo: seguro