Quando a Lei de Gerson sairá de moda ?
“Seja a mudança que deseja ver no mundo” ( Ghandi)
Há algum tempo abasteço o meu automóvel em um posto de gasolina, que me privilegia com uma ducha gratuita, desde que exceda certa quantidade de litros. Recentemente o frentista vendo um adesivo com teor político em um outro veículo, iniciou um discurso sobre a imoralidade dos governantes, nada que você ou eu já não tenhamos escutado ou dito inúmeras vezes: todos são iguais, bando de ladrões, picaretas, sem caráter, etc., etc. Como há muitos anos não tenho afinidade com qualquer partido ou convicção política, me limitei a escutá-lo. Findo o abastecimento ao me entregar o vale ducha falou-me em um tom mais baixo:
- Óó ! Se precisar dar um jato e não quiser abastecer, libera o café do “parça” que te arranjo um vale ducha - Me imaginei em um comercial de tv, que se encerraria ali com close de meu rosto entre perplexo e irônico, todavia me provocou a reflexão:
Certa vez ouvi alguém comentar uma situação sobre uma viagem de negócios em um país da Europa, quando um dos anfitriões chegou de bicicleta ao local combinado e a encostou na lateral do edifício, ele estranhou e questionou se iria “largar” o bem ali mesmo, no qual foi prontamente respondido : Qual o problema ? A resposta veio na saída quando a bicicleta estava intacta no mesmo local. Segundo sua teoria o conceito de honestidade é generalizado e a vergonha de ser flagrado em uma atitude criminosa é tão grande que desmotiva qualquer má intenção.
Quanto a nós talvez a famosa lei de Gerson(*) seja algo tão arraigado em nossa cultura que nos impeça notar que o tal jeitinho brasileiro seja tão pernicioso quanto os grandes escândalos. Assistindo a um telejornal me questionei sobre todas aquelas pessoas em praça pública clamando por honestidade: quantos dali não fraudam suas declarações de Imposto de Renda, foram solidários com o café do agente de trânsito que esqueceu o talão no bolso ou não devolveram o troco excedente que o caixa do mercado lhe deu. Alguém dirá: Moralismo, Utopia! Digo: Não, Coerência! Compactuarmos da mesma falha não nos torna cúmplices?
Fiz uma breve pesquisa entre alguns contatos, e ninguém disse desconhecer perto de si algum ato no mínimo duvidoso, seja na empresa ou na vida pessoal. Desvio é desvio, seja grande ou pequeno. Como exigir um país ético, se corruptos e corruptores elegem corruptíveis?
Sei que meu olhar recaiu aqui apenas sobre as laranjas mofadas, tenho ciência de que há muita gente correta e íntegra, e lamento que o modismo atemporal desta famigerada "lei" torne o malandro um ser admirado, gerando infelizmente uma insinuação subentendida sobre ser caxias, tolo, ingênuo ou trouxa quando se é ou se opta por agir lícita e corretamente.
Assim como um bolo bom é muito mais que apenas sua cobertura, a sociedade é composta de um todo, não apenas por seus políticos. A indignação é lícita, a revolta é permitida, mas o repensar de si mesmo é também necessário para que se faça um país, um mundo melhor a partir de sua base, de sua estrutura- o indivíduo.
(*) Lei de Gerson -teoria criada a partir de um comercial de TV dos anos setenta onde o jogador da seleção brasileira de futebol, afirma que o importante é levar vantagem em tudo. Tal afirmação era uma alusão ao preço de venda do cigarro anunciado em comparação com a concorrência. Tornou-se slogan de esperteza nacional valorizando ,mesmo que silenciosamente, atitudes que visam exclusivamente vantagens pessoais sem necessariamente considerar ética ou honestidade.