NUNCA MAIS HOUVE FALTA DE NADA

Sempre que encontro àquela mimosa senhora sou surpreendida por relatos e experiências vivenciados nas décadas de sua existência. E olha, que parece não cansar nunca em revisitar o passado e a memória é de fazer inveja a muitos marmanjos. A história que vou recontar hoje já ouvir umas dez vezes. E quanto mais escuto, mais vontade eu tenho de ouvir tudo outra vez. Tudo o que contar aqui ela garante que aconteceu e ao olhar para seu semblante enquanto relata sua experiência não tem como duvidar do acontecido. Vamos lá.

Ela havia acabado de voltar do ‘hospital-maternidade’. Ela e o esposo. Pois é. Enquanto ela dava entrada na maternidade e o esposo ia buscar uma ajuda na usina, ele passou mal, e foi conduzido ao hospital. Receberam altas no mesmo dia. Ela com o bebê, ele recém operado de uma crise de apendicite. Ao chegarem em casa cada um deitou na sua rede. Uma criança de três anos que estava aos cuidados de um dos vizinhos fora devolvido aos pais, e todo mundo foi seguir na sua labuta. Esquecidos, optaram por dormir. A criança após horas de espera começou a pedir comida, a mãe mandava que chupasse o dedo que a fome passava.

Não havia estrada até a entrada de seu casebre, somente um caminho de grama pisoteado que insistia em querer ter seu espaço de volta. Tudo era difícil naquela época. Não havia auxílio do governo. Portanto, só ganhava se trabalhasse. E todos realmente só tinham o suficiente para sobreviver. Era comum, na época, haver um alto índice de mortandade infantil e poucos chegavam aos sessenta anos nas décadas de 40 e 50.

Voltemos ao casal e a criança chorando com fome. Uma batida na porta. A mulher que estava mais próxima da entrada pergunta quem era que batia e pede que abra a porta que estava entreaberta. Um vulto aparece e pede uma esmola. A mulher com voz enfraquecida, faminta, sedenta diz que ali não há nada para ser oferecido ao pedinte. Ele pede licença para sentar no batente. Enquanto senta, coloca um saco do seu lado, observa o quadro decadente dos que estavam prostrados nas redes. E após alguns momentos de silêncio, pede permissão para deixar algumas coisas na mesa. Quanto mais tirava da sacola, mais alguma coisa tinha para pegar. Encheu a mesa. Levantando-se, desejou melhoras a todos e disse sem alterar a voz:

- A partir de hoje nunca mais vai faltar comida nesta casa.

Assim que o homem saiu, a mulher se arrastou da rede e fez um mingau. Deu ao filho que choramingava de fome. Parentes do casal e amigos da usina chegaram. Fizeram comida para o casal. Os colegas de trabalho haviam contribuído com o que podiam e como o homem disse, assim aconteceu. NUNCA MAIS HOUVE FALTA DE NADA.

Ione Sak

Ione Sak
Enviado por Ione Sak em 15/09/2015
Código do texto: T5382873
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