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Já tendo se passado doze anos desde minha bendita saída do Liceu, posso escrever livremente sobre o que lá presenciei em meus anos formativos sem que seja perturbado por meus colegas de classe ou por meus professores – pois, graças a Deus, nunca mais tive contato com nenhum deles. (E odiava quase todos.) No entanto, já aviso meus leitores de antemão que, se esperam que eu lance ao mundo um valoroso competidor de um de meus romances favoritos, “O Ateneu” de Raul Pompeia, fico-lhes devendo; minha estadia lá foi detestável, e o bom material que proporcionaria uma história foi muito pouco. Ainda hoje não consigo me esquecer por completo de todo o mal que me infligiram naquele lugar infernal, e minha opinião sobre instituições de ensino é bem desfavorável desde então. Meu consolo, porém, é, como disse acima, me recordar de que ninguém mais veio me procurar.

Nem todo o meu período de colegial foi um inferno – como também disse acima, presenciei algumas cenas deveras divertidas, e hoje trago uma delas à tona. Antes é necessário que eu explique os coloridos personagens que a protagonizaram.

Em meu último ano tínhamos nós uma professora que eu detestava – mas como não quero revelar nenhum nome, exatamente para que sigam não querendo contato comigo, vamos apelidá-la de “Dona Marocas”, como nas histórias em quadrinhos tão sadias de minha pequenez. Eu não a detestava por ela me tratar de modo hostil; em verdade, ela me tratava de modo bem indiferente, apesar de eu ser um de seus melhores alunos, tanto é que nunca recebi dela qualquer incentivo em meu início de carreira – mas esta é uma outra história. Outra coisa que me enraivecia e muito é que, uma moça de mais de 30 anos, se esforçava demais para conquistar a nós, entre nossos 16–17 anos, com uma amizade forçada – algo que detesto em qualquer figura de autoridade como um todo. Meu único elogio que tenho a dar-lhe é que era bonita.

Nosso segundo personagem era um de meus colegas de classe; não um dos muito memoráveis, pois mal falava comigo e eu com ele. Seu nome era W—; inicial comum em minha sala. Em verdade, mal me lembro de qualquer um de meus colegas ter interagido com ele também; falava muito pouco, e sentava-se bem ao fundo. Até onde me recordo, não era um menino muito bonito ou grácil, mas no fundo o achava até um tanto quanto atraente devido a seu silêncio e seu guarda-roupa desleixado: tênis batidos, a bermuda do uniforme que lhe desnudava as morenas e torneadas pernas, uma jaqueta preta (sempre a mesma, fizesse calor ou frio) e um boné surrado – tantos e tantos anos depois, posso seguramente confessar que foi ele um dos primeiros homens por quem me interessei. Havia um outro menino em minha turma a quem também dediquei meus primeiros olhares; mas isto também é material para outra história.

Retornando ao dia e ao evento em questão; era um dia de prova. Mais um como todos os outros, todos em silêncio, como de praxe – até que ouvimos a Dona Marocas gritar com W—. “Eu te vi colando”, disse ela. “Está pegando um papel na mochila.” Nosso amigo protestou de forma veemente em linguagem um tanto quanto colorida, escandalizando aos ouvidos de todos – mas a confusão acabou se arrefecendo. Depois de alguns minutos, porém, a professora gritou mais uma vez com o garoto, que respondeu com:

“***************************************************************************************************************************************!”

Todo mundo congelou. Ninguém nunca tinha ofendido uma professora de tal maneira. A própria Dona Marocas ficou rubra, e irrompeu em lágrimas; ela avançou na direção do menino e pensei que ia bater nele, mas apenas o expulsou da sala. Seguimos com a prova sob uma atmosfera de pavor – eu sem saber se ria ou se tentava estender minha mão num gesto de paz (o que, talvez, faria a Dona Marocas valorizar meus talentos); mas, de qualquer forma, nutri a partir daí um certo respeito por meu colega por fazer algo que sempre quis ter feito à época, que era mandar aquela escola às favas.

(São Carlos, 26 de junho de 2023)

Galaktion Eshmakishvili
Enviado por Galaktion Eshmakishvili em 14/09/2015
Reeditado em 26/06/2023
Código do texto: T5382041
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