Escolho Você

Sabemos que pode terminar um dia, nunca acreditei na história do "pra sempre", é tempo demais, certeza demais. Estar completamente certa de tudo, o tempo todo, nunca me deu tesão. A insegurança diante do que não se pode prever é uma das sensações mais gostosas da vida, abre espaço para as surpresas - nem sempre positivas, é verdade - mas preferiria a morte à uma vida roteirizada, com cortes específicos, trilha sonora no momento exato e todos os diálogos perfeitos que culminam num final bem previsível.

Previsibilidade, aliás, é a primeira resposta que dou ao me perguntarem qual o maior defeito que em minha opinião alguém pode ter. Gosto de não saber o que esperar, como gostei de quando num restaurante imenso e cheio de mesas vazias, pediu licença para sentar-se comigo pelo fato da mesma ter uma vista privilegiada, achei que se tratava do belo aquário à nossa frente, mas eu era a sua visão e me surgiu como uma. Foi repentino, foi decidido e corajoso, pensei em mandá-lo cair fora, tirar do rosto aquele sorrisinho safado e desfazer as covinhas que se formavam, mas caramba, foi exatamente o que me impediu. Deixei-me surpreender, e uma conversa que se iniciou com o habitual "você vem sempre aqui?", durou mais tempo que o previsto e revelou detalhes que não conheceria se tivesse medo do inusitado.

O impetuoso cavalheiro era também dono daquele estabelecimento, o que achei curioso, sendo um dos meus lugares favoritos para as noites em que a preguiça não me deixava preparar nem um macarrão instantâneo, nunca tê-lo visto. Compartilhávamos a mesma paixão por motos, e tinha duas, enquanto eu ainda juntava grana pra comprar a primeira. Amante de viagens, livros e vinhos, assim como eu, queria conhecer o mundo, um sonhador. Trocar confidências com um até então desconhecido ia contra todos os conselhos que ouvi da minha mãe na infância e admito, com certa vergonha, ouvir até hoje. Não a culpo, o mundo tá tão maluco, mas era um estranho encantador. Boa comida, bom vinho, boa companhia, bom sinal.

Ficaria por mais duas horas ou por toda a noite, mas não teria graça desvendar tudo de uma só vez, não seria igualmente surpreendente se não voltasse pra casa com a sensação de que ainda tínhamos o que falar. Pediu licença e me trouxe uma sobremesa feita por ele, o que nos acrescentou mais vinte minutos de conversa. Não aceitei o jantar como presente, pago as minhas contas, não por uma questão de feminismo ou autoafirmação, mas a minha ideia de ser independente sempre foi essa, pagar pelas minhas escolhas. Naquela noite, escolhi o lugar certo e fui escolhida.

Hora de ir.

_ Não vai mesmo me dar o seu número?

_ Não precisa.

_ E como a gente se encontra?

_ Eu sei onde te encontrar.

_ Seria mais fácil se...

_ ... se fôssemos previsíveis e trocássemos telefone? Se o primeiro a não resistir ligasse amanhã, ou hoje mesmo? Deixa eu te surpreender.

_ Só não vai fugir de mim!

_ Eu até poderia, mas talvez não queira.

Vou pra casa. Com vontade de ficar.

Mas ficar na vontade as vezes é bom, faz valer a pena. É claro que no dia seguinte me bateria aquela preguiça de encarar o fogão. Iria jantar fora.

A vida me preparou uma bela surpresa, eu tinha que retribuir.