O Aranha
 

No jardim defronte à janela entreportas roseiras, pelo-de-urso, bambuzinho. Tudo sintetizado em um único canteiro. Um primor.
 
Naquele verão que se perdeu no tempo uma aranha achou onde estender sua malha tecida após a chuva. Começou em uma hora e agora estava pronta. No aparador de seda o vapor pós-tempestade se condensava em contas cristalinas. Uma primazia.
 
Todos os pequenos insetos – moscas sobretudo – caiam na trama. A aranha se punha ao centro e quando precisava sugava os capturados encasulados. Ter a comida à disposição era um privilégio.
 
Não só moscas. Joaninhas, grilos e pequenas borboletas: a seda e as pinças do pequeno monstro de oito patas eram implacáveis – garantiam-lhe sobrevida e punha-se sobre as vidas de todos que habitavam o canteiro. Não adiantava zunir, nem correr, bater asas ou saltar. A vitória era da aranha que enchia sua pança. Ou melhor, aumentava seu circular abdômen. Era assim, da natureza, o princípio.
 
No final do verão o peçonhento inseto estava maior e mais confiante. Teia armada. No centro a aranha.
 
Apareceu uma abelha temporona. Veio zumbindo com as patas traseiras repletas de pólen. Não deu outra: voou direto para a rede que parecia atrair  todos. A aranha preparou o ataque. Era certo que teria mais um casulo alimentar para passar os dias que viriam. Mas não é que a abelha bateu asas assim e assaz e lutou e esperneou, zumbiu e, se tivesse voz, gritaria?!
 
Antes que a aranha a enredasse com seus fios, a abelha se soltou destruindo todo o esquema de sedação. Foi embora fazer seu mel. E a aranha deposta de seu trono mortífero se escondeu debaixo de uma folha de roseira.
 
Acabou aquele primor, a primazia, o privilégio mantido naquele verão. Foi tecer outra armadilha debaixo das telhas que assombram a janela entreportas daquela residência. Começava o mesmo princípio de vida e sobrevida no outono que já dava as suas caras
 

 
***
 
Aquela rede de amigos também era assim. Malha de uma aranha humana. Na rede cada um era um casulo a alimentar o peçonhento.
 
Se precisava disto ou daquilo o homem-aranha sabia a quem buscar de tal maneira que todos sustentavam seus caprichos. E o aranha no centro articulava, manipulava e orquestrava a todas as formigas, joaninhas, grilos e borboletas já capturados e encasulados em seus pontos estratégicos de sua rede.
 
Veio um amigo abelha e zumbiu, esperneou, gritou e recusou. O aranha se assustou e as moscas se libertaram. A abelha seguiu seu curso na vida.
 
E a aranha até hoje tenta construir sua rede de seda nestes telhados da cidade.
 
Primor, primazia, privilégio e princípios são dados pelos que se acham submissos. Basta se valorizar que todos os esquemas são desfeitos ou refeitos.
 

Toda relação humana, até amizade, é produto de uma construção humana sem determinismos esotéricos.
 
 
Leonardo Lisbôa
Barbacena, 09/09/2015
 
Teia na Telha
 
Emaranhada
 
A aranha
Tece a teia
 
Malha
Meia
Mosca
 
A aranha
Suga
E não consome.
 
Casulos
Fios suspensos
Falsa segurança
CELA
 
A aranha
Casula
Sustenta
Suga
Pobres moscas
Esquecidas
De suas asas
em/ARANHA/das
Em finos fios
De seda
CELA
 
...uma recobra
Os sentidos
re/descobre
suas asas.
Liberta-se
Voa
Após    estragar
A fina / rede.
 
A aranha repara
Tece nova malha
 

TEIA NA TELHA.
 


 
Leonardo Lisbôa,
Barbacena, 07/11/2007.
 
POEMA 67 - CADERNO:
VOLTANDO PARA CASA


 
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Leonardo Lisbôa
Enviado por Leonardo Lisbôa em 11/09/2015
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