INTRANSIGÊNCIA À SOMBRA

INTRANSIGÊNCIA À SOMBRA

Dezesseis horas. Céu sem nenhuma nuvem. Sol a três quartos no seu caminho para o ocaso. Temperatura acima de trinta e cinco graus (nesta época do ano “setembro” é normal aqui em Goiânia). Todo ser vivente que caminha neste momento, por necessidade ou por vaidade, evita estar exposto ao tórrido sol. Não que eu faça questão de estar incluso nestes seres viventes, mas não abro mão de pertencer aos que evitam o referido sol.

Ia eu fazendo de tudo para me esconder do astro rei; e assim que vi aquele muro alto projetando uma refrescante sombra sobre a calçada, resolvi que nem amarrado pelos ovos deixaria de usufruir daquele ambiente acolhedor. Mas eis que, lá no fim do muro, ou início, como queiram, apontou outro ser vivente, também fugindo daquele calor infernal; e para tal se esgueirava para junto do muro, sob a sombra deste. De cá, da minha posição relativamente cômoda, quanto à frescura da sombra, tomei uma decisão deveras esdrúxula: não arredaria pé e nem me desviaria da proximidade do muro, por nada e nem para ninguém: vivo ou morto.

Não sabia eu, que o outro indivíduo vinha com a mesma intenção.

Desde o começo do muro, para ele, o supracitado individuo tomou a posição de acompanhá-lo rente, não dando espaço entre si e este, ainda que caísse o céu e/ou a terra pegasse fogo...

Não deu outra, encontramo-nos mais ou menos no meio do percurso, na extensão do muro; e como vínhamos os dois, absurdamente juntos deste, só que em sentidos contrários, trombamos. Nem assim, nenhum de nós arredou pé da decisão de ser inviolável o direito à sombra.

Paramos frente á frente, joelhos e barrigas se tocando, uma vez que hoje raros são os homens que não as têm salientes.

Dizemos ao mesmo tempo: êpa!

Daí para frente foi a polícia que nos separou...

Da delegacia saímos amigos. Foi quando tomei ciência das intenções lá dele, sobre a sombra, e também o participei das minhas.