NUNCA MAIS

Desde muito jovem, Jorginho era conhecido no círculo do poder como um articulador esperto, cheio de engodo e malícia. Rapidinho ele entrou para a política e ficou milionário. Sua especialidade: desvio de recursos destinados a hospitais públicos. Tinha duas amantes, três filhos bem casados na alta sociedade, uma esposa dedicada e amigos influentes em todas as esferas de poder e negócio.

Seu único problema eram as goteiras em sua casa, que o tiravam do sério, porque mesmo quando não estava chovendo elas pingavam, na sala, nos quartos, nos corredores, na cozinha, no escritório, nos banheiros. Jorginho chamou tudo quanto era empresa especializada para acabar com aquilo de uma vez por todas, mas o diagnóstico era sempre o mesmo: não havia furos ou rachaduras no telhado, na laje, nos canos, na caixa d’água, nas paredes, em lugar nenhum. Tudo perfeito.

Uma noite ele acordou com o pijama todo ensopado por causa de uma goteira que caía bem na sua barriga (e nem estava chovendo!). Era uma água escura, fedida, meio ácida.

Na semana seguinte ele mandou verificar de novo o encanamento e revestir a laje com uma película protetora. A empresa que fez o serviço lhe cobrou uma fortuna, mas mesmo assim, dois dias depois, novas goteiras surgiram.

Um dia Jorginho vendeu a casa e comprou uma nova, recém-construída. Por segurança, chamou outra empresa especializada, que passou uma semana inteira na laje e no telhado verificando tudo, nos mínimos detalhes. Embora nenhum problema tivesse sido detectado, na primeira noite após a vistoria cinco goteiras apareceram (sem chuva!), uma delas bem em cima da testa de Jorginho, e a água que pingava parecia ser a mesma que o atormentava na outra casa: uma água escura e fedorenta.

Jorginho ficou furioso. Pegou uma escada e subiu até a portinhola que dava acesso à laje. Acendeu a luz e olhou. Nada. Desceu, pegou uma lanterna e subiu de novo. Dessa vez entrou. Assim que acendeu a lanterna, viu, num canto, um enorme bicho peludo, escuro, de olhos castanhos brilhantes (parecia um babuíno ou um orangotango), que se aproximou dele e arreganhou os dentes, grandes e afiados como chifres de bode. Jorginho estava aterrorizado, mas manteve-se quieto, com a luz da lanterna apontada para o animal, olhando bem nos olhos dele: olhos de fogo, que cresciam, cresciam... Neles Jorge viu o mal... Pessoas inocentes sofrendo, morrendo nas filas dos hospitais... Violência, miséria, desespero... E se viu, mergulhado até o pescoço na lama de um brejo podre... Ali, naqueles olhos selvagens, estava todo o mal que ele tinha feito na vida, todo o sofrimento que causara...

Então o babuíno (estava claro que era um babuíno) avançou um pouco mais e, sem desviar os olhos de Jorge, retirou do meio de um tufo de pelo entre as pernas um pênis enorme, que mais parecia uma mangueira. E começou a urinar sobre a laje. Muita urina. Jatos fortes, escuros e fedidos, que não acabavam nunca mais...

Nunca mais.

Flávio Marcus da Silva
Enviado por Flávio Marcus da Silva em 10/09/2015
Código do texto: T5377751
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