ALTO (muito alto!) PARAGUAÇU
ALTO (muito alto!) PARAGUAÇU
Confesso que não tinha muita simpatia pela tal de Internet até que -- em 2012 ou 13 -- um colega de infância, dos tempos no Seminário Menor, em Araucária, Paraná, me "achou" através do site cultural OVERMUNDO. Aliás, o próprio site já tinha me ofertado raros momentos de satisfação, quando vários de seus cadastrados me deram parabéns, graças às memórias dos tempos de juventude, que resolvi registrar no papel, digo, digitar "na telinha".
Foi um imenso prazer saber que um amigo de classe de 1965, um colega de sala de aula ainda se lembrava do carioca com o qual estudou e isso me motivou a procurar outros amigos e conhecidos. Por ironia do Destino, o jovem que invejei por todo o período em que estive no "internato", porque produzia (com outro aluno) um "diário" mensal (?!) com fatos e obras do alunado, nunca mais escreveu 1 só linha e, passados 50 ANOS, ainda hesita em registrar suas memórias pessoais.
De minha parte, sei que escrevo desde os anos 70, até antes, meu primeiro conto nasceu em 1969, graças à tonelada de romances policiais que eu "devorava" na época. Posso afirmar que os jovens autores das "Efemérides do Seminário Menor" -- Augusto Spisla e Aloísio Cansian, que eram tão "revisados" que pouco sobrava de seus textos originais -- foram meus incentivadores involuntários, embora as leituras de romances épicos feitas pelo reitor Pe. Domingos Wisniewski tenham me apontado o caminho da escrita, dos meandros da Literatura, inclinação ou vocação árida e quase sem perspectivas no país do futebol e samba, cujo povo se satisfaz só com isso... ou com tão pouco, além de cachaça e cerveja.
A razão de ser desta crônica é recordar meus dias iniciais no colégio das freiras vicentinas de Alto Paraguaçu, na época modesto distrito de Itaiópolis, creio que hoje já seja cidade independente, belo e bem cuidado lugar.
No longínquo ano de 1961 dava medo ir até Alto Paraguaçu, mesmo durante o verão local, com calor de 188 graus ao meio-dia. A subida do monte parecia a todos extremamente perigosa, não havia proteção lateral na pista de terra batida e o ônibus sacolejava tendo ao lado uma ribanceira ameaçadora. No inverno, ao sopé da montanha, parava-se o veículo para "vestir" seus pneus com grossas correntes que, segundo consta, ajudavam na subida do lotação da Viação N. Sa. da Penha, famosa na época. Salvo engano, o mesmo ônibus ía e vinha de Itaiópolis 2 ou 3 vezes por dia.
Jamais soube como meu pai descobriu o colégio mas, enquanto caminhoneiro que rodava pelo país inteiro, deve ter cruzado com algum paraguaçuenses (?!) que lhe segredou sobre a existência das ESCOLAS REUNIDAS SÃO JOÃO BATISTA. Nunca entendi o plural do título, pelo que sei não havia outra "filial" da Escola em alugar algum. Revendo eu a foto que êle fez dos 2 filhos na frente do colégio me dou conta de que 4 anos lá não foram suficientes para conhecer todo o segundo andar, onde ficava nosso dormitório.
Num texto colorido e caricato, meu irmão gêmeo Renato resumiu com precisão os 4 anos que lá passamos, no portal BLOGSPOT.COM. Por isso, posso me ater apenas a aspectos sentimentais e a fatos pessoais aos quais êle não esteve presente. A menina Dirce era uma morena magrinha, filha do comerciante com loja na rua lateral à Matriz, ponto final do ônibus da Viação Penha. Como sempre fui reservado, era Dirce que me abordava -- mesmo em tempos tão distantes -- porém eu só tinha olhos para a louríssima Elizabeth Willrich, com um irmão chamado William. De Dirce ganhava presentes, "surrrupiados" (creio eu) da loja dos pais, afinal menina daquela época não jogava "búrica", bola de gude, e eu ganhei várias dela, os "olhinhos" americanos cobiçadíssimos -- tinham uma hélice dentro -- e as de aço, que quebravam as "petecas" dos adversários. Ganhei réguas variadas e um apontador em forma de globo terrestre. Nunca me perdoei a frieza com que tratava a menina !
Me é impossível lembrar de Alto Paraguaçu sem recordar a Irmã EDVIGES, nascida Edwiga, na Polônia. Já estava ela "na casa dos 75 anos" quando entramos no colégio e seu "escritório" -- "atelier" seria um termo só surgido nos anos 80 -- era um minúsculo quartinho de tábuas cinzas quase no final do terreno. Madre Edviges era a artista do colégio, artesã completa, suponho que autodidata. O primeiro "cineminha" que assisti na vida foi ela quem fez! Colou várias figurinhas numa espécie de "roda gigante" de madeira e, por uma "janelinha" víamos os desenhos "se mexendo", conforme ela rodava a engenhoca. Presumo que foram dela os A E I O U em forma de bonecos, colados na parede da sala de aula de Alfabetização, na última ala, após a cozinha.
Com ela aprendemos a bordar, "tricotar" (com uns alfinetões ou numa prancha vazada e rodeada de preguinhos), cozer botões e bichinhos em papelão forrado e também PINTAR, com tinta a óleo ou em pasta, minha atividade favorita. Para meu irmão que adora falar em coincidências -- sincronicidade, no dizer dele -- levamos vida a fora 2 quadros pintados com a supervisão dela. Não vou posar de gênio das Artes, mais de 70% da obra foi realizado por ela, que riscava as imagens na madeira polida. Sem sequer sonhar que, 20 ANOS depois, eu estaria pondo meus pés cansados em terras paraenses, pintei 3 garças brancas(maguaris, aqui na região) sobre vitórias-régias, essência da Amazônia.
Ao meu irmão coube reproduzir um moinho de farinha -- no caso dele, de trigo ou milho -- no qual um camponês abarrotava uma carroça com sacos dela. Praticamente não há carroças no Pará inteiro, o veículo normal por esses lados é canoa, barco a motor ou bicicleta. Já farinhas, a de mandioca, de "maniwa" ou de tapioca, estão em todos os lares, todas as feiras, em mil e um lugares.
No dilúvio que assolou o Rio de Janeiro em 1966 nosso barraco de estuque e bambu (no Morro dos Cabritos) "derreteu-se", fomos abrigados nas lojas vazias de um Shopping Center próximo e o pouco que havia de valor no casebre "desapareceu"... mas a pintura que fiz continua viva em meu coração! Entre tantos Rios que povoam minha existência -- Rio Negro, no PARAná, Alto PARAguaçu, em Santa Catarina e esse PARÁ onde estou a 32 ANOS -- a figura da Irmã EDVIGES segue luminosa a meu lado, ela que cuidou de mim como se fosse seu filho. OBRIGADO, Irmã !
"NATO" AZEVEDO (Ananindeua, PA, 7-8 set. 2015)