No fim do dia

Foi no fim do dia, quando o meu ônibus ainda não havia chegado e eu me deixei ficar olhando distraidamente as capas de jornais em uma banca no terminal. Já eram notícias velhas, notícias da manhã, mas sempre tem alguma coisa que a gente ainda não sabia, e de vez em quando as pessoas que ficam ali lendo até puxam conversa umas com as outras, principalmente em casos de notícias de política e de futebol. Eu lia alguma coisa nesse sentido quando senti que alguém me tocava. Era um velhinho, magro, mal vestido, que, por preconceito, associei a um mendigo.

Ora, há muitos mendigos ali no terminal, e com frequência eles abordam pessoas como eu, que se deixam ficar paradas, de modo que, antes mesmo que ele abrisse a boca, eu já havia engatilhado a cínica resposta de que não tinha dinheiro. Só que não foi isso o que o velhinho disse e, para ser honesto, eu não sei exatamente o que foi que ele disse. Falava alguma coisa do jornal, falava alguma coisa da sua vida, só que falava de uma forma tão desarticulada que não se entendia quase nada. De alguma forma, me pareceu que não estava pedindo dinheiro.

Na verdade, senti que o tom da sua fala era o daquela ironia resignada, de quem já se cansou de esperar por justiça e agora apenas lamenta a própria sorte. Porque, embora ele não pedisse dinheiro, era um pobre, e um pobre aposentado, que não conseguia comprar tudo o que queria – foi mais ou menos isso o pouco que entendi. Começou então a contar uma história complicada com relação a um emprego, onde havia trabalhado por mais de 30 anos.

Falava, falava, falava, e eu não fazia ideia do que ele dizia, mas ia concordando, porque achei que suas motivações deviam ser justas e ele tinha mesmo razão em reclamar. Mas como deixei que falasse à vontade, sem tomar nenhuma atitude para resolver o seu problema, fiquei me sentindo o próprio Governo, o próprio Estado – as próprias pessoas de quem líamos as notícias nas capas dos jornais, enquanto esperávamos o ônibus no fim do dia.

milkau
Enviado por milkau em 09/09/2015
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