A INSÔNIA

Conforta e agrada que a poesia esteja sendo muito lembrada nas redes sociais, talvez pela sua inutilidade útil. Porque, em verdade, não há critério de utilidade para o INÚTIL, no campo do real. Mas há algumas especificidades do inútil que, sem elas, alguns “condenados ao pensar” não conseguem viver, enfim, dar curso à vida. A Poesia não se destina a ser aplicada diretamente no plano da realidade, não é mesmo? Transforma-se o espiritual do humano para que ele mude o mundo fático. Todavia, em geral, teimamos em aplicá-la como verdade palpável fosse. Damos corpo à farsa e à fantasia que provêm do Mistério. O poema, por vezes, lembra o tragicômico. Peguemos, por exemplo, a INSÔNIA, que se constata como manifestação multifária de angústias factuais travestidas. E, a propósito dela, exsurgem inúmeros poemas e prosas, tudo fruto da imensa solitude de quem está sem sono. Em regra, o corpo não se aquieta para dormir porque a cabeça está muito longe dele. E não há como conciliar o corpo sem a necessária lucidez e alguma paz espiritual. E a Poesia mitiga essa sensação que incomoda tantos autores e leitores. Sua doida mágica imagética faz com que a inutilidade adquira vida e chegue ao plano do real. Cecília Meireles, em seu intenso lírico-amoroso, diz em seu poema Guitarra: "A maior pena que eu tenho, punhal de prata, não é de me ver morrendo, mas de saber quem me mata.". Sim, finamo-nos de várias mortes. E entre estas, talvez seja a insônia um sábio motivo: um passaporte para o descanso, que, em verdade, nunca é eterno...

– Do livro OFICINA DO VERSO, 2015.

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