DESABAFO DE UM ESPERMATOZÓIDE ENGANADO

Se eu soubesse que seria assim eu teria voltado. Uma única frustração já estaria de bom tamanho. Há quem diga, que chegar à frente dessa golfada gemida seja uma vitória. Não sei do quê...

O que um concentrado viscoso de vitaminas e outras substâncias ganha em chegar a um lugar desconhecido e de difícil acesso? A vida surge de um instante de excitação e uma competição nada amistosa por refúgio. Parece ruim, falando assim... Mas é pior. Muito pior! A entrada é difícil e sem placas de boas-vindas. Eu devia ter desconfiado! Todo útero devia ter um aviso: A vida não é fácil!

Ainda assim muitos persistiriam, mas seguiriam sabendo do risco. Seria mais honesto, pelo ou menos. Assim ninguém chegaria no mundo com a ilusão de que a vida tem algum sentido. Porque não tem. Uma vez passado pelo lugar que você entrou, já era! A vida só é um intervalo maior que separa você do mesmo fim que levaram os outros. Essa é a única certeza que os “vitoriosos” podem ter. A vida deles será maior e mais difícil. Nada além. Existir é um fardo! Se eu soubesse, voltaria. Melhor findar no papel ou no lençol, ou até mesmo no látex, do que insistir. Talvez eu risse de quem com muito afinco persistisse na vitória. Diria aos mais empolgados, vai lá garotão! Se você cruzar essa porta não há mais volta! Você terá de trabalhar, terá desilusões amorosas, sogra, dor de dente. Terá de fazer faculdade, TCC, academia, trocar de carro. Fará para si, ídolos, mas nunca chegará a conhecê-los! No entanto, o pior de tudo isso, de todas essas falácias, será a incansável perseguição da tal felicidade. O maior dos mitos já inventado! Os viventes passam toda sua medíocre existência em busca dela.

E óbvio, ninguém a encontra. A felicidade é um mito, uma fantasia, ela é do amanhã. Não é para ser alcançada, só vista na vitrine. Ela gravita na esfera do desejo. É a cenoura que fica à frente do cavalo e o faz caminhar. Quem diz que alcançou a felicidade está apenas trocando de desejo. Quando se obtém o que se quer, passa-se a querer outra coisa. Por causa da felicidade as pessoas se casam, constrói casas, fazem tatuagens, vão à igreja, usam armas, fazem promessas, mentem, escrevem poemas, emagrecem, fazem mestrado, compram flores, enfim, as vias para persegui-la são as mais diversas.

E tudo não passa de uma tentativa de dar sentido a existência. As pessoas falam de Deus, falam com Deus, falam que Deus não fala, compram-no e o vendem. Falam em seu nome e de já tê-lo conhecido. Diferentes em muito, são iguais em algo, ninguém tem certeza de nada. A fé o direito de conviver com a dúvida sem precisar assumir. Já basta o desconforto de ser. Deixai que os viventes se embriaguem do que quiser! E se Deus for mesmo como me disseram, ele perdoará meus desabafos. Ele sabe que nessa vida a gente mais sofre que qualquer outra coisa. A certeza deixada é a da dor. Tudo é dor e desconforto, a fome, o prazer, o sono, quem sabe que vive, só o sabe porque sente. E somos feitos disso, seja em que proporção for, a vida é dor. É o que sentimos quando chegamos, é o que deixamos quando partimos. Até a alegria dói! Quem ri demais também sente. Melhor assim, eu persigo nessa vida sem sentido, nesse intervalo menos abreviado da existência, que me doam as maçãs do rosto por causa de uma boa gargalhada!

Salomão disse que tudo é vaidade. E ele tinha razão, a vaidade é uma tentativa de dar sentido a tudo isso, é um grito de “me vejam!” “Me olhem!” “Eis-me aqui!” Eu escrevo por isso. Nada dessa conversa de dom ou vocação, não quero salvar o mundo nem fazer a vida de ninguém ser melhor. Se acontecer, bem. Acidentes acontecem a todo instante, a vida é um deles.