Os muros
Há mais ou menos um ano, eu saía de uma padaria, lá pelas 7 da noite e um rapaz, mal vestido e cheirando a álcool, me pediu uns minutos para ouví-lo. Pensei que ele quisesse dinheiro para continuar a beber, respondi que eu tinha pressa e fui-me embora. Na manhã seguinte, ao chegar ao trabalho, todos me apontaram um rapaz que passara a noite no alto de uma torre de telefonia. Era ele. A cinquenta metros de distância e trinta de altura, era ele. Todos o filmaram. Eu o filmei. Todos, na tentativa de guardar a relíquia de um ser humano, com sorte, despencar para a morte. Eu, a me servir do zoom da câmera para ler em seus olhos o que a sua boca quis me dizer e não disse. As horas do dia passando e eu (nós), com os olhos, ora nos papéis de dentro, ora no moço de fora. Choveu muito, depois fez muito sol, depois choveu muito, e o trabalho continuava do lado de dentro e o moço do lado de fora. Eu, da janela, pensando em quantas pessoas se vão anonimamente desta vida e até onde vai a nossa responsabilidade neste anonimato, e ele, lá fora, pensando talvez nos tantos anônimos a quem pedira ajuda. Tantos muros humanos...
Almoçamos. Eu, a minha marmita de todos os dias, ele, a servida pelos soldados do corpo de bombeiros. A minha, joguei-a quase intacta no lixo, a dele, não sei quanto dela comeu, só reparei na libertadora rebeldia de jogá-la lá de cima ao chão. Quem sabe um treino.
Às 4 da tarde, sem mais nada a fazer da vida, saltou para dentro da minha memória. As mãos dos soldados, atrasadas, como as minhas. Como as de todos nós, sempre depois, depois, depois.
Há coisa de um mês, no pátio do conglomerado onde trabalho, ergueu-se uma torre de tv, ainda mais alta do que aquela. Caríssima. Dessas, com luzes coloridas, destinadas a deslumbrar olhares suburbanos, nas noites calorentas de Porto Velho. Os muros de todo o prédio foram aumentados, além da construção de um grande portão de isolamento da área onde ela se encontra. Não me lembro com quais palavras eu questionei aquela proteção toda à uma simples antena, mesmo nesses tempos de sabotagem e roubos de equipamentos, mas jamais esquecerei da resposta que me deram: - Não é proteção à antena, é para dificultar a subida nela de suicidas...