Pequenas histórias 104

Ele saiu

Ele saiu para a luz alegre do sol brilhando a calçada nova da avenida. Saiu da luz artificial do metrô para a luz diurna da tarde que deslizava sorrateiramente num ir e vir de carros e pessoas. Sorriu quando distraído quase trombou com um rapaz que em sentido contrário ficou, como ele, dançando um na frente do outro até que um decidiu pela direita, evitando assim maiores acontecimentos. Sorriu, só podia sorrir não gargalhar, pois aquilo não era motivo de risada, não era uma piada, apesar de que, quem visse daria uma boa gargalhada. Mas não era para ele, e também, não era para a outra pessoa motivo para risadas, e, sim, para um riso de leve, um riso para dentro, um riso, ou melhor, um sorriso imperceptível. Assim, quase invisível seus lábios se contraíram num sorriso que só ele percebeu e guardou para si aquele instante.

Andava decidido, com passos como se estivesse passeando, apesar de que tinha um compromisso, tinha uma hora marcada, não poderia atrasar. Queria antes almoçar, tomar um aperitivo, e se houvesse tempo ler um pouco, esmiuçar a vida detalhada de uma manhã de uma senhora do século passado, tão bem escrito, talvez o melhor livro que já lera, relera e trelera. Ver como a Sra. Dalloway se sairia com suas preocupações nos preparativos da festa que daria a noite. Festa! Ele nunca conseguiria preparar uma festa, se envolver com as necessidades que acarretaria em organizar uma festa. Deveria ser um saco, aliás, é um saco comprar isso, comprar aquilo, salgadinhos, bebidas, cerveja, refrigerante, calcular as pessoas que veria quem não veria, quem ele convidaria ou não convidaria, deveria ser um porre. Perder-se-ia dentro de tantos detalhes, assim como se perdia nos recitais, principalmente no começo, nos primeiros recitais, ficava meio que abobalhado sem saber onde ficar, como se mexer, onde enfiar a mão, se preocupar se a voz sairia no tom certo, agia atento para não tropeçar diante de pessoas que nunca tinha visto. Talvez se saísse bem como anfitrião, assim como estava se saindo razoavelmente bem nos recitais. A verdade é que nunca tentou organizar uma festa, um dia quem sabe, organizaria uma. Mas no momento não tinha intenção.

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Pastorelli
Enviado por Pastorelli em 05/09/2015
Código do texto: T5371601
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