SONHADOR

Era um sonhador. Não daqueles que se perdiam em devaneios, viajando na maionese toda hora. Mas sonhador de fato, Fechava os olhos e em segundos viajava para confins desconhecidos. Então os vasculhava como cão farejador,

buscando imagens, sons e até cheiros. Isso mesmo, seus sonhos eram recheados de aromas, muitos deles exóticos como de chá numa viela num mercado turco, poeira de estrada num deserto, o mar com sua imensidão sem trégua, o espaço com todos seus vazios.

Não sabia de fato quanto tempo durava seus sonhos, mas cada deles o fazia esquecer da vida de vez.

- Você é um sonhador, um maluco que se desliga do mundo, dos seus afazeres e vai sei lá pra onde. Cai na real, cara! Um dia desses você vai quebrar a cara. Deixa de ser lunático e coloca os pés no chão firme de novo!

Ouvia estas ladainhas a vida toda. Na escola, em casa, na rua. Não dava bola. Só sabia que adorava se desligar e ir de alma e cuia pra onde seus sonhos o levassem. Cada vez era um lugar diferente. Adorava ir pra outros planetas. Via civilizações que pareciam filmes de ficção. Só que eram de verdade, podia ver as pessoas conversando, as coisas acontecendo, tudo rolando.

- Doutor, não sei o que se passa comigo. Fecho os olhos e tudo fica diferente. É como se subisse num tapete mágico e num clique aparecem novos cenários. Vou pra mundos que nunca vi antes. Ontem mesmo fui no fundo do mar. Isso mesmo, quando me dei conta, estava no meio de cardumes de peixes, milhares deles, com aquele silêncio absoluto. E nem fiquei assustado, sabia que eram só instantes e que depois tudo ficaria do jeito que era antes.

A psiquiatria tem rótulos bem definidos pra este tipo de alucinação de efeito repetitivo. Os exames neurológicos não apontaram nenhum distúrbio ou anomalia que merecesse maior análise. Era um cara normal, dentro dos conformes que seus 30 anos estabeleciam.

- Não doutor, drogas nunca. Tomo uma cervejinha vez por outra quando saio com meus amigos e não passa disso. Juro mesmo.

A médium identificou que precisaria desenvolver sua mediunidade inata. Não foi a primeira vez que recorreu ao espiritismo para tentar dar uma razão para estas viagens que fazia para confins tão desconhecidos. Sabia que muita gente sonha, uns até tem pesadelos, mas o que ele sentia era por demais real.

- Os universos paralelos existem. Vários cientistas renomados, até prêmios nobel sacaram isto após anos e anos de estudos. Por algum motivo rompemos a barreira que separa uma dimensão da outra e caímos neste outro mundo. Tem até gente que vai e não volta. Basta ver as assustadoras estatísticas de pessoas que somem de repente, saem de casa pra dar uma volta e nunca mais são vistas. Só em São Paulo são mais de 100 por dia. Elas não sumiram, estão apenas num outro plano e não conseguem retornar.

Até que um dia aconteceu um negócio estranho. Fechou os olhos e já esperava iniciar sua viagem. África? Europa? Marte? Interior de Pernambuco? Polo Norte? Grécia Antiga? Torre Eiffel? Muralhas da China? Aldeia de Portugal? Algum oceano ainda desconhecido?

Era um lugar esquisito. Escuro, meio apertado, cheiro novo, não tinha ainda experimentado coisa assim. Estava encurvado, numa posição que era familiar, mas não conseguia lembrar de onde conhecia. O som também era esquisito, não silencio absoluto, alguns ruídos estranhos revoam não sabia de onde.

Começou a ficar perturbado, até com medo, sentimento que nunca tinha experimentado antes. Desta vez estava demorando mais pra acabar.

- Deus do céu, o que está acontecendo comigo? Será que enlouqueci de vez?

Foi então que aconteceu. Surgiu uma luz, de início tímida e foi ficando mais saliente, mais viva. Quando sentiu mãos o tocando, de imediato quis fugir, só que não tinha pra onde. As mãos eram firmes, o pegavam de jeito, não davam chance pra resistir. O envolveram de tal modo, primeiro na cabeça e depois no resto do corpo, que estava gosmento, nunca tinha se sentido assim antes. Aquelas mãos foram puxando, puxando, até que ouviu uma voz.

- É um menino! Parabéns!

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Oscar Silbiger
Enviado por Oscar Silbiger em 05/09/2015
Reeditado em 05/09/2015
Código do texto: T5371296
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