Fábula da Vida Real
Houve uma vez uma cidade que à todos parecia muito comum. Mas nela viviam pessoas muito especiais. Na verdade, como sabemos, em qualquer cidade do mundo há pessoas especiais e nessa aqui não era diferente, mas quero contar uma história que ocorreu nessa "cidade comum". Nela morava um homem, um legislador. Ele vivera sua vida inteira trabalhando para a comunidade. Era um bom homem, querido por todos a quem conhecia, admirado mesmo por quem, dele, só ouvira falar. Trabalhou com crianças e jovens, estudou a natureza, amava a verdade. No entanto, a vida que levava era bem previsível, sem grandes surpresas ou sobressaltos. Ele era feliz, mas, como a cidade em que vivia, era um homem comum. Foi então, quando menos esperava, quando tudo se mostrava estável, que aconteceu! O que desejo lhes contar ocorreu nesse momento meio monótono, meio tranquilo.
A dirigente daquela cidade chamou nosso legislador e entregou-lhe, para cuidar, o destino de um grupo que ele mal conhecia, um grupo estranho, um pessoal bem esquisito, "Vai tratar da cultura dessa nossa cidade, das nossas artes, dos nossos artistas" ela falou. Depois do susto, resolveu aceitar, meio cheio de dúvidas, sem conhecer o terreno que estava por pisar. Era um homem corajoso, e não costumava fugir de um desafio. Chamou alguns amigos, com os quais acreditou poder contar nessa empreitada e, sem saber quase nada sobre o que o esperava, partiu para a luta. Luta, foi o que encontrou, a princípio. Divergências internas, nenhuma verba, um monte de tarefas já estabelecidas para cumprir e, como era de seu jeito, aprender, estudar, conhecer. Queria, de verdade, fazer algo de bom com e para os tais artistas (acho que, algumas vezes, esse pessoal o deixava meio desconfiado, um pouco ressabiado, mas sei que ele jamais vai admitir isso, é, como falei, corajoso e, portanto, bem teimoso). Fui uma das amigas com quem ele acreditou poder contar. Porém, vivo minha vida dividida entre as delícias da literatura e o fascínio acadêmico e, como vacilo diante de mim mesma, não sei se contribuí muito não.
Aconteceram algumas experiências que puseram em contacto esse nosso legislador com os chamados "Artistas", mas foram encontros muito complicados, onde não foi possível que eles "se conhecessem melhor" e o namoro nada de engrenar... Suas antigas paixões o chamavam insistentemente. A burocracia o afastava de qualquer prenúncio de prazer e ele quase desistiu. Encontros foram marcados e desmarcados, compromissos acabavam sendo só compromissos e mais nada. A relação continuava fria, distante. Até que, um grande artista, grande mesmo, enorme, eu diria, conseguiu marcar novo encontro entre o legislador e a chamada "classe artística" daquela cidade. Muitos tropeços ainda, até que enfim chegou o dia do tal encontro.
E nenhuma palavra exprime melhor o que aconteceu naquele dia, Foi um ENCONTRO. Gente de cultura, como gostamos de ser chamados, é assim, trazemos conosco esse imenso porvir que nunca se extingue. Sabemos o que queremos, somos fortes, mas jamais, veja bem, jamais deixaremos de parar diante de um flamboyant florido sem nos sentirmos tocados. Não haverá por-do-sol, ou aurora, que não tenha um de nós a valorizar-lhe o espetáculo. Amamos o brilho, o singelo, o especial, o comum e é com eles que fazemos nossa arte.
Foi portanto, um momento tão proveitoso que proporcionou encontros íntimos como o meu, que pela primeira vez aceitei minha condição de artista. Me sinto nova e preciso também me "conhecer melhor". Quanto ao legislador, pude ver em seus olhos a descoberta de um novo tempo em sua vida, novas metas, novos propósitos. Percebeu a responsabilidade que tem, diante dessa gente estranha que o recebeu assim, desarmada e vibrante. E entregou mais que promessas, muito mais, comprometeu-se, seu enorme sorriso dizia isso sem palavras. Assim seja!
E, no fim dessa fábula da vida real,todos viverão felizes para sempre. Espero...