A FOME DE VIVER

As retinas são o minúsculo retiro em que se esconde o sonhar. Porque o encantamento é sempre uma nova lua de agosto – o mês do cachorro louco... De há muito não havia percebido a troca dos lunares sazonais. É sempre tempo para retemperar os dias, diz-me o impertinente alter ego. À beira do espelho d’água, um minhoco com “pensamento de gordo”, rebolca-se no barro e se enterra na busca de algo o que comer. O solstício de primavera molda o rosto de Narciso na poça, espelho baço. A lenda é antiga, muda somente o mágico condão do fazedor de sombras e luzes. De relance, pisca o astro-rei suas pálpebras e estrela o olhar ao horizonte. Até o amor sob a luz intensa é imperfeito. A fome de viver cria inusitadas situações, cochicha novamente o outro eu...

– Do livro OFICINA DO VERSO, 2015.

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